Sunday 20 March 2016

(Playful Heart)

Sinceramente acreditei que escrever ajudava. 
Pensei que se os meus dedos andassem o bastante nos sentidos contrários do teclado, se esqueceriam de como era saltitarem-te na pele. 
Acreditei que este cinismo da escrita, este mesmo que enfeita a verdade do que fomos, dissimulasse agora, a que somos. E, no entanto, ando para aqui sem ressalvas, a empoar-me as lembranças com palavras, como se elas fossem pózinhos de pirlimpimpim capazes de transformar numa qualquer magia o que quero mesmo dizer-te. 

Não é de hoje que me questiono se nós, humanos, no dia em que largámos as caudas de girinos, algúres em pantanais sulforosos e nos somámos a braços, pernas e espírito, não tendemos a confundir os repentes animais que nos levam à ardência do sexo, com os amores sublimes e divinos que, supostamente nos entrelaçam as almas. Tenho cá para mim (pelo menos depois que te foste) que andamos aqui ao engano, desde os dias primevos, e que, muito antes do fogo e da roda, já nós sabíamos fintar a natureza com a mesma mestria com que a convencemos de que o prazer que nos explode no corpo quando copulamos, não é um mero engodo para o acto mecânico na prepetuação da espécie. Ela (a natureza) deve ter acreditado nessa patranha que lhe contámos, porque, ainda hoje, homens e mulheres em todo o mundo se enrolam e esfregam e beijam e entram um dentro do outro, como se existisse em tais actos um objectivo admirável e profundo que lhes enobrece a condição. 

Suspeito agora, de que, também eu me deixei ludibriar por essa visão magnificente de uma boa foda, (digo) e talvez por isso me convenci de que te amava, enquanto ardia por dentro, às sextas à noite. Já não estou certa de sentir-me assim porque me cabias, porque me preenchias o espaço vazio entre as minhas pernas ou se na verdade te enlaçavas em mim nessa outra dimensão espiritual que nos transcende, e onde somos sempre luz. 

Seja qual for o tamanho do aleive em que me embalei, posso jurar que me habitaste o milímetro quadrado do coração, porque hoje ele doí como um sopro e rompe-se como um buraco negro que me suga a matéria de que sou feita. 
Não sei se (acaso eu me tivesse acautelado o bastante para não me deixar enganar por tangas ancestrais), teria querido de ti, não mais do que uma hora ou uma tarde, talvez um dia, não mais que isso. Seria por certo, essa, a forma de não gastar tantas palavras em orgias semânticas. Poderia até dizer-te que me satisfaço afinal com três: Sexo. Amor. Fim. Não necessariamente em simultâneo nem obrigatoriamente por esta ordem. 

Poderia até dizer-te que afinal nunca te amei, ou na pior das hipóteses que amei sim, mas que já não te amo mais. Mas isso seria tão estúpido quanto acreditar que depois que fomos girinos e nos largámos as caudas, que depois que nos somámos a braços, pernas e alma, desatámos a fintar a natureza, levando-a a crer que somos capazes de algo bem maior do que apenas nos saciarmos fisicamente como o fazem os restantes animais. É óbvio que somos mestres na mentira e que nos enganamos a nós mesmos com a frequência com que nos sentimos únicos e próximos de Deus, mas… acredita: a única coisa que fintamos desde os dias primevos é exactamente o Amor e é por ele que nos enrolamos, beijamos e copulamos. 

É verdade que a única fracção de vida em que o levamos a sério (ao Amor), é mesmo quando somos ainda crianças e corremos para onde sabemos estar o aconchego de um abraço protector. E é por isto que eu nunca percebi porque é que quando tudo nos parece um bom pretexto para brincar, nos é lançado o feitiço de sermos tão circunspectos no amor, e a maldição de, (quando já somos adultos), transformá-lo numa forma divertida de passar o tempo.
Vale-nos porém a certeza de que o amor não é para nós, uma brincadeira qualquer: Ele é pelo menos, a nossa brincadeira favorita.