Monday 5 September 2016

Ana de puta…puta de vida.

Uma pequena tatuagem de um colibri sobre o ombro direito desnudo e liberto da grossa camisola de lã, que a gola arredondada fazia lembrar a boca de um vulcão. Ana passeava o seu corpo sobre os passeios mal iluminados e escondidos das ruas que circundam o centro comercial. 
Meneava-se sobre os saltos altos de onde jorrava um par de pernas escanzeladas, adornadas por meias de rede que terminavam onde começava a curta saia de napa. Os cigarros que consumia avidamente não chegavam para lhe roubar o frio dos ossos, nem o torpor da alma.

«preciso de beber um copo.»Estava disposta a vender-se por um pouco de calor. E por cigarros. Não lhe importava o dinheiro, por uma vez que fosse. Mesmo que o estômago estivesse vazio há demasiadas horas. Mesmo que uma ou outra substância proibida lhe faltasse no cérebro para poder continuar mais um pouco. «nem um gajo aparece!»
Os dias de fim de ano até costumavam ser bons, mas agora não conseguia perceber o vazio de gente. Não tinha um ar andrajoso, embora também não enchesse o olho a alguém sem a junção de mais qualquer coisa - um gesto, meia dúzia de palavras, um convite explícito. Os cabelos compridos ofereciam-lhe um ar adolescente. Tinha um rosto anguloso, mas bem estruturado, assente num corpo franzino.
Farta de martelar a calçada com os saltos altos onde se pendurava, endireitou-se, encostou a carteira coçada e gasta ao peito com brusquidão e meteu-se a caminho em direcção a quem entrava e saía pela grande porta de vidro do Shopping. Estendia a mão e pedia, pedia, mas dali não levou mais que alguns olhares de escárnio e desprezo. Era a puta da vida – pensava Ana - a puta da vida ainda mais puta que ela, que a empurrava para a escuridão da noite, sem o copo de vodka que lhe daria a ilusão das temperaturas de Julho. A puta de vida que a empurrava para o quarto alugado nas águas furtadas, um canto nauseabundo a cheirar a mijo de ratos, onde não a esperava qualquer folia própria da época, mas apenas mais um final de ano, como outro qualquer, com o mesmo vazio no estômago, com a mesma ausência de lágrimas de sempre, onde os dias não tinham o atrevimento de ser diferentes, por uma vez que fosse.
Ao lado passa-lhe um daqueles homens que não sabem o que é ser pousio de olhares femininos. Daqueles homens que mais parecem lugares de ninguém e que em segredo acalentam o desejo de serem ocupados, possuídos por qualquer uma" sem- terra". A derradeira oportunidade fê-la implorar-lhe «fode-me, fode-me! Olha vês, são só cinco euros e podes foder-me!» 
Viu-lhe nos olhos o espanto, o encolher de ombros,a palmadinha no traseiro, a nota ainda quente a sair do bolso dele para as mãos dela, o acelerar do passo, o renault clio cinza em 2ªmão, o sémen que lhe escorria pelos cantos da boca. A Vodka e as temperaturas de Julho, viriam a seguir.