Agosto- Mês de Reencontro
Emigrar versus mobilidade
Não existe família
portuguesa que não tenha entre os seus membros quem preferiu deixar o país para
encontrar fora dele melhores condições de vida. O desemprego é hoje, como na
primeira vaga de emigração dos anos 60 o grande impulsionador do êxodo.
No pico da crise, entre 2011
e 2013, as taxas de emigração de portugueses atingem mais uma vez, níveis
históricos. Tal como no final da década de 60 quando os valores registados davam
conta de que cerca de 100 mil portugueses por ano deixavam o país, o último
relatório do Observatório da Emigração mostra que se manteve em 2015 o mesmo
número de saídas de Portugal para o estrangeiro registadas em 2013: acima das
110 mil por ano. Foi o recorde das partidas, com aeroportos cheios e muitas
reportagens sobre o regresso do fluxo de emigração. Ainda não é possível
garantir que o movimento estagnou ou diminuiu ligeiramente. Sabe-se apenas que
não continuou a crescer mas a constatação do último Relatório da Emigração é,
portanto, clara: “Mantém-se em valores da ordem dos observados nos anos 60 e
70. Portugal é hoje, de novo, um país de emigração.”
Para
onde vão os portugueses?
Dos
23 países de destino para onde se dirigem mais emigrantes portugueses 14 são
europeus. E entre os 10 principais só dois se localizam no continente africano:
Angola e Moçambique.
Desde a grande vaga de
emigração das décadas de 60 e 70 que a França, com mais de meio milhão de
portugueses (eram 606 897 em 2013), lidera a tabela de países do mundo com
maior número de emigrados com nacionalidade lusa. É lá que se concentra a maior
fatia de portugueses, fora de Portugal: ao todo, correspondem a 62% do número
total de emigrantes, tal como a comunidade portuguesa é a maior, no grupo de
imigrantes residentes em França. Segundo o mesmo relatório do Observatório da
Emigração, "em 2015, saíram para França 18 mil portugueses" Percebe-se
assim que as saídas para França voltaram a subir, transformando mais uma vez o
país num destino importante para os que estão de saída, mas ainda assim, é o
Reino Unido que parece estar agora no topo das suas preferências.
Contas feitas, emigraram,
para as ilhas de Sua Majestade, 32 mil portugueses, em 2015. Seguem-se, como
principais destinos, a França (18 mil, em 2013), a Suíça (12 mil, em 2015) e a
Alemanha (9 mil, em 2015). Também a emigração para a vizinha Espanha tem subido,
o que parece indicar que passada a fase mais negra da crise, que afetou sobretudo
a área da construção civil, tem tendência a crescer.
Mas a presença da emigração
portuguesa é ainda expressiva na Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Dinamarca,
Estados Unidos, Canadá, Áustria, Noruega, Itália, Suécia, Irlanda e Macau.
Portugal
continua a ser, portanto, um país de emigrantes. Com casos mais ou menos
felizes, os portugueses continuam a arriscar, por vezes tudo, para saírem do
país.
Quem é que não se lembra das
famílias portuguesas, que acabaram a viver dentro dos próprios carros quando
chegaram à Suíça em 2013 e não encontraram trabalho? Ou dos portugueses que
chegados a Espanha foram apanhados numa rede de escravatura no ramo da
construção civil?
Histórias que acabaram
mal para quem ousou sonhar com uma vida melhor não faltam, e entre os
emigrantes do Oeste, há delas que ninguém esquece.
No final dos anos 80,um
grupo de 12 homens oriundos dos dois concelhos vizinhos, Bombarral e Cadaval, foram
seduzidos pela ideia de melhorarem as suas vidas fora do país onde nasceram. Joaquim
Ferreira Pinto, natural da freguesia de Peral, (Cadaval) fazia parte do grupo e
a Suíça parecia-lhe a ele, tal como aos restantes, o destino perfeito para um
salário mais gordo no final do mês. Contactados por outro grupo com ligações à
região Oeste, foi-lhes prometido contrato de trabalho e alojamento. Deviam,
cada um, pagar por esse contrato cerca de 150 contos e entregar o valor em
dinheiro vivo, quando o comboio em que seguiam, os deixasse em Andaya (França)
e uma carrinha, que haveria de chegar, os levasse dali para a terra prometida.
Todavia, após uma noite passada na estação de comboios de Andaya, estes homens
perceberam o logro mas já era tarde demais. Nenhuma carrinha chegou. No lugar
dela, um automóvel de vidros esfumados, que não permitiam ver quem se
encontrava no seu interior, chega pela manhã à estação ferroviária. O único
homem que se abeirou do grupo exigiu-lhes a entrega dos valores sob ameaças de
morte. O dinheiro acabava assim nas mãos do alheio, sem qualquer contrato de
trabalho em troca. O sonho acabava ali e o regresso a Portugal era inevitável.
Felizmente, também há casos
de sucesso. E são muitos os portugueses que com mais ou menos sacrifício,
conseguem “vingar”, quando rumam ao desconhecido. É o caso de Cláudia Santos,
emigrante em Angola. A empresária, casada e mãe de 3 crianças, nasceu em Chão
de Sapo (Cadaval) em 1981, mas é em Talatona (Luanda) que reside há cerca de 5
anos. Hoje, considera-se uma empresária de sucesso em três ramos de atividade
distintos: construção de piscinas e equipamentos “wellness”, e ainda lavandaria
industrial. Cláudia Santos costuma viajar para Portugal de 3 em 3 meses,
fazendo regressos curtos, mas indispensáveis para matar saudades, sobretudo da
terra que a viu nascer.
Há
quem vá, mas também há quem venha
Se
a maioria dos portugueses que sai do país fá-lo para trabalhar, cada vez mais
estrangeiros escolhem Portugal para residir, sobretudo, os mais velhos que
encontram no país características aliciantes para gozar os anos de reforma com
isenções fiscais, preços mais baixos e um clima agradável.
É o caso dos estrangeiros a viver
em aldeias, vilas ou cidades da região Oeste. Nas Caldas da Rainha, até já há
uma sala no posto de turismo onde se ajuda os novos habitantes que chegam à
região. Há franceses, ingleses e holandeses espalhados por vários concelhos. Os
mais escolhidos continuam a ser Caldas da Rainha, Óbidos e Lourinhã, devido às
praias. São vários os que vivem, por exemplo, na Foz do Arelho, em São Martinho
do Porto ou na Areia Branca.
Keith Louis, um britânico de
Liverpool escolheu esta zona do país por considera-la de certa forma paradisíaca,
em particular a cidade onde reside (Caldas da Rainha) muito semelhante a
Liverpool, segundo o próprio “com um charme e beleza especial ”. O britânico,
agora com 85, já está em Portugal há 15 e é aqui que pretende ficar até ao seu
último dia. Fez por cá amigos, aprendeu português, integrou-se na comunidade e
aproveita o que ela tem de melhor, desde os eventos culturais à boa
gastronomia.
Amelie e Patrick são um
casal francês à beira da reforma. Compraram casa em São Martinho do Porto, uma
zona com uma grande (e crescente) comunidade francesa. Tudo começou depois de
verem um programa na televisão onde se falava de Portugal. Foram à internet, pesquisaram
casas, planearam a viagem, vieram, adoraram "o mar, o sol e o vinho."
De Portugal e da região Oeste gostam de quase tudo. Antes de se decidirem por
S. Martinho do Porto fizeram uma viagem de Norte a Sul do país mas não gostaram
nem de Lisboa nem do Algarve. A capital “é demasiado confusa e o Algarve tem
muitos turistas”. Relatam.
Jean Pierre Hougas,
Presidente da União dos Franceses na Região Oeste, sublinha que quem vem para
aqui são pessoas que procuram o sossego, a segurança e o convívio com os
vizinhos, algo que já não encontram em França. Ao mesmo tempo, ficam a uma hora
de Lisboa, a poucos minutos de vilas ou outras cidades de média dimensão e também
perto de castelos, conventos, cidades com história (Tomar, Batalha, Alcobaça...),
do campo e de muitas praias. Segundo Jean, muitos franceses vendem a casa no
país de origem por 200, 300 ou 400 mil euros e vêm para o Oeste onde compram
outra igual ou melhor por pouco mais de 100 mil. O lucro é usado para
"viver a vida" num país onde quase tudo é muito mais barato.
Agosto
é mês de reencontro
Para
a grande maioria dos emigrantes portugueses, agosto é o mês dos abraços aos
familiares que não viram ao longo de um ano inteiro. Nos aeroportos há mais
chegadas que partidas, e mais sorrisos do que lágrimas. E quando as há,
devem-se às saudades, afinal, tão portuguesas.
Agosto, por tradição um mês de
reencontro com os conterrâneos que partiram, prepara-lhes sempre várias
receções de boas vindas. Um pouco por todo o país há festas e romarias e pelo
menos, 1 vez por ano, respira-se Portugal a plenos pulmões. Os sons, os cheiros
e os sabores, que encontram aqui em cada verão, não encontram em mais lado
nenhum.
Foto de Perfil
Valentim Carvalho Matias
“Procuro olhar para as coisas para além da superfície.
É a partir da profundidade que formo as minhas opiniões.”
A 25 de Outubro de 1942, Valentim Carvalho Matias nascia em Vila Nova de S. Pedro, concelho da Azambuja. Em 1961, com 18 anos de idade, foi morar para o Cadaval e levou consigo o gosto pelo fado e pela poesia.
Trabalhou no comércio enquanto concluía os estudos, e envolveu-se tanto quanto lhe foi possível, na comunidade.
Cumpriu o serviço militar na Guiné e quando regressou, os soldados da paz puderam contar com ele.
Foi Comandante da Corporação dos Bombeiros Voluntários do Cadaval entre 1972 e 1996.
A década de 80 trouxe-lhe a consolidação do seu amor pela música e começou a cantar até que a voz lhe doesse. Todavia, valores mais altos se levantaram, e ainda em 89, dava tudo de si a outras cantigas.
A política impôs-lhe dedicação absoluta nos anos que se seguiram e foi Presidente da Câmara Municipal do Cadaval de 1990 até 2001.
Três mandatos volvidos, uma vida preenchida pela família que ama como se não houvesse amanhã e uma voz que confessa, ainda não lhe dói. O futuro continua a ser um “fado” que desconhece, mas garante que enquanto houver Valentim Carvalho Matias, continuará a haver música.
Quando
é que lhe nasceu o gosto pelo fado?
Desde miúdo que gostava de
cantar, mas cantar acompanhado com guitarras e viola, comecei por volta no
final dos anos 70. Nesse tempo, vinham ao Cadaval, o José Oliveira Pedro e o
Eduardo Lemos, um residente e outro que vinha aos fins-de-semana, eram amigos
que já tocavam e começaram a acompanhar-me. Formámos um grupo de fado e
praticamente todos os fins-de-semana, sextas e sábados fazíamos espectáculos,
sobretudo no Ribatejo. Logo nessa altura, comecei também a escrever poemas que
eram depois musicados com as composições do Eduardo Lemos. Numa dessas
actuações, encontro o Rodrigo e em conversa, disse-lhe que tínhamos alguns
fados inéditos, compostos por mim e pelo Lemos, e que gostaria que ele os
cantasse. Ele ouviu, gostou e gravou três dos cinco fados que lhe enviei no LP
“Asas e Raízes”, considerado o melhor disco desse ano. Também escrevi para o
António Pinto Basto e participei com letras minhas num dos trabalhos mais
reconhecidos dele, um álbum dedicado às “Marias”. Um dos meus trabalhos
incluído nesse disco era o fado “ Doce Maria da Paz”. Hoje canto menos do que
cantava há uns anos atrás, por um lado porque hoje há muitos fadistas e por
outro, as pessoas também têm alguma tendência a achar que a partir de uma certa
idade já não se consegue cantar bem. Isso não é de todo verdade. Sinto que
canto melhor hoje que antes, porque aprendi imenso, hoje tenho uma técnica
vocal que antes não tinha, tenho mais consciência da minha presença em palco. A
voz não se perdeu.
Sendo
poeta também, o que é que o inspira a escrever?
Tantas coisas. No fado,
canta-se muito o amor, a saudade, a tristeza, às vezes uma crítica. Inspiro-me
em tudo isto. Podia escrever muito mais, mas só quando tenho mesmo necessidade
é que vou escrever. Quando alguém me diz que precisa de uma letra eu vou e
escrevo-a. Estou convencido que quando deixar de cantar vou escrever mais.
Considera-se
um homem introspectivo?
Sim, muito. Procuro olhar
para as coisas para além da superfície. É a partir da profundidade que formo as
minhas opiniões.
E
entretanto, chega à política. A responsabilidade de liderar uma autarquia,
quando foi presidente da Câmara Municipal do Cadaval separou-o da música?
Sim, durante esse tempo praticamente
não cantei. Às vezes numa ou outra festa aqui no concelho, se me pediam para
cantar, eu cantava. Mesmo assim, ainda gravei um CD nessa altura, mas quando o
gravei não foi com intenção de o divulgar depois. Eu ia algumas vezes aos
Estados Unidos da América, a convite dos nossos emigrantes, fazíamos lá todos
os anos um jantar de angariação de fundos para os bombeiros e queriam sempre
que eu cantasse. Muitas vezes eu queria cantar as minhas músicas, mas os
guitarristas que eles lá tinham não as conheciam. Então eu gravei esse CD mais
com a intenção de ficar com o playback instrumental de forma a poder cantar
essas músicas lá. Todos os temas nesse CD são da minha autoria.
Mas
esse afastamento deu-se porque não tinha tempo ou achava que as duas atividades
eram inconciliáveis?
Não eram conciliáveis. Eu
não podia ocupar-me com música quando sentia que devia dedicar-me a 100% à
autarquia. Tinha muitas reuniões e outras responsabilidades que exigiam muito
de mim. O tempo de um autarca é sempre muito ocupado.
E
de alguma forma sentiu que essa sua veia de fadista poderia roubar-lhe a
credibilidade enquanto presidente de um município?
Eu não pensei, mas havia
quem pensasse. Algumas pessoas achavam que não era próprio de um presidente,
cantar. Se for um médico pode cantar, um engenheiro pode cantar. Mas um
presidente de uma câmara não pode cantar. Claro que eu nunca liguei a isso.
Essas opiniões vinham de uma minoria que não tinha qualquer expressão.
O
que é que mais destaca na sua atuação enquanto Presidente da Câmara?
Há tanta coisa a destacar.
Por exemplo, naquele tempo era preciso levar rede elétrica a alguns locais onde
as pessoas ainda usavam candeeiros a petróleo ou na melhor das hipóteses, um
gerador para levar a electricidade às habitações. Fui presidente numa altura em
que fazer o básico era tão importante como hoje fazer uma grande obra. Não
tínhamos ainda uma boa rede de esgotos, por exemplo, rede de abastecimento de
água, a ligação entre as povoações era feita, na sua maioria, em terra batida,
o alcatrão existia em meia dúzia de povoações e apenas nas ruas principais.
Nesse tempo havia tanta coisa importante para fazer que não nos podíamos
preocupar com o embelezamento das terras. Hoje já se pode fazer isso. Naquele
tempo, não.
Mudaria
alguma coisa se hoje voltasse a ser Presidente da Câmara?
Não. Faria tudo na mesma.
Trabalharia como trabalhei a tempo inteiro. Voltaria a ser a pessoa dedicada
que fui. Poderia contar com algumas vantagens que não tive na altura. Eu não
tinha gabinetes de adjuntos, chefes de gabinete, secretárias, e tudo o mais que
hoje rodeia os presidentes de câmara. Fiz tudo praticamente sozinho, confiando
sempre nos funcionários que tinha sem o staff politico que hoje existe.
E
a política ainda o fascina?
Não. Estou de certo modo
decepcionado com a política. Os últimos tempos têm sido conturbados e deixam
pouco espaço para fascínios. Continuo a interessar-me e a acompanhar tudo, leio
muita coisa, mas hoje olho para a política de uma maneira diferente. Talvez
pela idade, sei identificar uma notícia falsa, um estudo encomendado…há coisas
na política que me desgostaram.
Isso
quer dizer que se hoje surgisse um convite para se voltar a candidatar não
aceitaria…
Não. Já surgiram tantas
coisas, tantos convites…a minha vida foi sempre muito ativa. Juntei muitos
projetos em simultâneo e a minha família foi sempre prejudicada por isso.
Muitas vezes não tinha fins-de-semana, não tinha serões, não podia acompanhar a
família como eu gostaria. Tive a sorte de casar com uma mulher valiosa para me
ajudar a resolver muitas situações. Quando fiz 70 anos, disse para comigo:
“Acabaram-se todas as minhas participações em atividades que me tirem tempo
para o que eu amo”. Assim fiz e neste momento estou empenhado em passar tempo
com a família e com a música. Agora é para elas que eu vivo. Normalmente, faço
espectáculos solidários. Estou a colaborar com uma campanha de angariação de fundos
para a Guiné Bissau, para a construção de uma biblioteca que terá o nome de uma
escritora cadavalense, Isabel Pereira da Rosa. E por isso, durante 1 ano, tudo
o que eu puder arranjar com a venda dos meus trabalhos discográficos, está
destinado a esse projecto. Para além disso, integro também um grupo, os
D’Antano, e vamos gratuitamente a lares de 3ª idade, especialmente aos fins de
semana, onde tocamos e cantamos fados mais musicados e músicas dos anos 60/70.
O
que é que o faz feliz?
Faz-me feliz ver os meus
filhos e netos felizes. Tenho uma família linda! Tenho dois filhos, dois netos
e duas netas. Sei que vivem felizes, que estão bem e isso é maior felicidade
que eu posso ter. Devo dizer que uma das cantigas que eu escrevi, um fado-canção
muito simples, “ Os netos chamam por nós”. E isto é algo que me faz
extremamente feliz: Ouvir os netos a chamar mim.
Melhor
Qualidade- Sinceridade
Pior
Defeito- Temperamental
Comida
Preferida- Cozido à Portuguesa
Música
Favorita- Fado
Local
Favorito- O meu escritório e o palco
Melhor
Momento- O nascimento do primeiro filho
Pior
Momento- 25 meses de guerra na Guiné
Sonho-
Gravar agora o tal disco como deve ser
Fotografia: Margarida SilvaFoto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
Fotografia: Margarida SilvaFoto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
E tudo o fogo levou...
Quando a Natureza se zanga...
A maior tragédia de sempre em Portugal, com incêndios florestais
aconteceu no passado sábado em Pedrógão Grande. Uma conjugação de fatores ainda
sem explicação comprovada que atirou para a morte 64 pessoas e provocou 200
feridos além de milhares de euros de prejuízo com a morte de animais e a
destruição de bens materiais. O JRO falou com quem esteve no combate às chamas
e viveu o horror do passado fim- de-semana. Um “cliclone de fogo” descreve
Pedro Lourenço, Comandante da Corporação de Bombeiros do Bombarral.
Tendo em conta a sua experiência profissional, tantos anos dedicados a
combater incêndios em várias partes do país, o que é que na sua opinião
aconteceu, que diferenciou este incêndio de todos os outros que já combateu?
Um fenómeno meteorológico aconteceu
ali e que levou a que o fogo se propagasse com uma velocidade muito elevada que
acabou por ter dimensões fora do normal.
Mas fenómenos meteorológicos costumam acontecer. Não é a primeira vez
que há trovoadas secas e no entanto foi a primeira vez que isto aconteceu…
Eu estive lá, não logo no início
mas no sábado fui para lá cerca das 17 horas e o que me foi relatado foi que
houve ali uma espécie de “ciclone de fogo”. Foi o que me foi dito. E esse
“ciclone” terá feito com que através do vento o incêndio se propagasse de uma
forma muito violenta. Ninguém estava preparado para isto. Não há ninguém, não há
dispositivo…não há nada que possa combater aquilo que, quanto a mim, foi o
trabalho da Mãe Natureza. Foi a Mãe Natureza que foi culpada disto tudo.
Acredita então que a ignição deste incêndio foi um raio?
Não sei. Não vou opinar sobre
qual terá sido a ignição. Não sei. Só sei que os raios ou trovoada seca podem
perfeitamente provocar uma ignição.
Mas também já se diz que a trovoada seca se deu horas depois do início
do incêndio…
Não me vou pronunciar sobre isso.
São apenas opiniões.
E a sua opinião?
Ouça, a minha opinião pessoal
sobre aquele incêndio não a vou transmitir aqui. Eu só lhe posso dizer que
andei lá muito tempo e sei aquilo que falei com as pessoas de lá. Pessoas com
responsabilidade, agora opiniões há muitas. Eu comecei a minha carreira em
1980, tenho muitos incêndios naquela zona e aquilo que vi desta vez não se
compara a todos os outros incêndios que já combati. Agora, arranjar culpados
parece que é fácil, mas eu costumo dizer que contra a Mãe Natureza não se pode
fazer nada.
E isso desculpa que um sistema de comunicações tenha ficado em silêncio
durante cerca de 14 horas?
Não me dei conta de ter falhado
tantas horas. Repare, todos os que estiveram ali fizeram o melhor que puderam. Aquele
teatro de operações desde a primeira hora foi muito difícil para todos os
operacionais no local e eles tomaram no momento as decisões que acharam que
eram as mais apropriadas. Quando nós tomamos uma decisão não há ninguém que
pense que aquela não é a melhor decisão. Pensamos sempre que é a melhor
decisão. Depois temos que a avaliar para perceber se temos que reajustar essa
decisão ou não, perante as condições, agora sobre o Siresp não faço qualquer
comentário.
Mas funciona?
Tem falhas.
Tem falhas quando mais precisam do Siresp?
Tem falhas. Nós já sabemos que
ele tem falhas, agora deixe-me dizer-lhe que as alternativas que temos são
muito piores.
Ainda têm que fazer a conversão das coordenadas com o Siresp ou essa
aplicação já foi alterada?
Não. As coordenadas não nos dão
qualquer problema. O equipamento dá-nos as coordenadas que têm um desfasamento
mínimo.
Mas relativamente ao corte nas comunicações, as corporações de
bombeiros reportam essas falhas sempre que elas acontecem?
Quando sentimos essa dificuldade,
logo nos primeiros tempos, foi reportado ao Comando Nacional de Operações de
Socorro (ANPC) aquilo que havia de “zonas sombra”. Fizemos um levantamento e
indicamos onde estavam as “zonas sombra”. Esse trabalho foi feito.
Apesar de terem sido identificadas essas zonas onde não há cobertura de
rede, acha que valeria a pena um investimento num outro sistema de
comunicações?
Deixe-me dizer-lhe uma coisa: Nós
só precisamos de um sistema de comunicações que seja fiável. Ainda há pouco lhe
disse, que pela minha experiência prefiro ainda assim trabalhar com este Siresp
do que com outros sistemas que já tivemos. Contudo, eu enquanto operacional no
terreno, dou sempre indicações para termos os dois rádios em funcionamento.
Relativamente ao corte da EN236 que não foi feito, terá resultado dessa
dificuldade de comunicação?
Eu já ouvi várias opiniões,
muitas delas que partem de pessoas que não percebem nada de combate a
incêndios. Eu não estive nesse local, por isso não sei dizer-lhe nada sobre o
corte da estrada, mas volto a dizer que o que se passou foi muito violento e
muito rápido. Não vou fazer mais
comentários sobre isso. Posso dizer-lhe que estive ontem até ao final da tarde
em Castanheira de Pera e uma das pessoas com quem conversei garantiu-me : “
Pedro, isto lá do alto até cá abaixo, queimou em 3 ou 4 minutos. Isto andava
tudo pelo ar. Parecia um ciclone que apareceu aqui.” Se calhar, não querendo
estar aqui a arranjar culpados, se o Decreto Lei 124 fosse cumprido na íntegra
podíamos minimizar a gravidade dos incêndios. Limpeza de mato, respeito pelas
distâncias, entre outras medidas de prevenção que devem existir na floresta.
Depois, na minha perspectiva e tendo em conta diversos relatos, penso que as
pessoas também não se sabem autoproteger e está provado que em determinadas
circunstâncias as pessoas estão mais seguras em casa do que expostas ao
desconhecido.
Tendo em conta esse desconhecimento que as pessoas têm sobre a forma
como devem agir no caso de uma calamidade, se os bombeiros fazem tantos
simulacros de acidentes rodoviários, porque não investir mais em simulacros de
incêndios e até outros como, tremores de terra, por exemplo?
Nós fazemos. Mas repare numa
coisa: há folhetos das autarquias e cabe às autarquias fazerem essa
sensibilização. Esse trabalho tem que ser feito pelas autarquias junto das
populações. Numa situação extrema de qualquer fenómeno mais destruidor as
pessoas não estão preparadas para se autoprotegerem. Mas, as pessoas também têm
que criar formas de aprender como agir numa situação adversa. Repare, por força
da legislação todos os espaços públicos são obrigados a ter equipamentos e
sistemas de segurança contra incêndios em edifícios. E eu pergunto: Quem é que
sabe usar um extintor portátil? Numa sala de espectáculos por exemplo, se for
accionado o alerta, as pessoas ficam sentadas serenamente e só saem, aos atropelos,
já quando as chamas estão perto delas ou quando alguém as manda sair. Agora,
nas escolas deviam aproveitar alguma disciplina onde fosse possível falar de
segurança para cultivar estas noções nos miúdos. Noções que sejam válidas para
os espaços urbanos e para as florestas. Relativamente aos tremores de terra, aqui
no Bombarral o Agrupamento de Escolas Fernão do Pó, costumas fazer essas
simulações. E nós também costumamos ir ao Agrupamento fazer simulações incluindo
as de Suporte Básico de Vida.
Relativamente a esta onda de solidariedade que se formou para ajudar as
várias corporações dos Bombeiros, o que é que sentiu? Surpreendeu-o?
O povo português é muito
solidário. Nós recebemos muitos contactos de imediato e começaram logo a chegar
ofertas de mantimentos que enviámos para Pedrógão Grande através de um veículo
da Câmara Municipal. As doações foram tantas que nós tivemos que a certa
altura, alertar as pessoas para se conterem um pouco porque tivemos a
informação de que já havia dificuldade de armazenamento.
Mas também passou a informação de que muitos bombeiros que estavam na
linha da frente não tinham acesso a esses bens…
Não terá acontecido exactamente
assim porque nós próprios levamos sempre alguma coisa para nos alimentarmos em
caso de não haver outra forma de o fazermos.
Não deve ser a Protecção Civil a responsabilizar-se pela alimentação
dos bombeiros no terreno?
Não é assim tão simples. Dou-lhe
um exemplo: São duas da tarde. Tenho aqui um incêndio e vou precisar de 500
homens para o combate até às 8 da manhã. Onde é que eu vou arranjar 500
refeições? Ou seja, em termos de logística como é que eu daqui, até às 8 da
noite, hora de jantar, consigo prever e arranjar alguém para fornecer 500
refeições? Se calhar aqui até se arranjava ou algo muito parecido com isso, mas
há muitos locais deste país onde não é fácil. É muito difícil.
Quantos operacionais do Bombarral estiveram em Pedrógão?
Num primeiro período (primeiro
dia) fomos 7 homens e dois veículos e depois fomo-nos revezando.
Há pouco falou da importância da limpeza das florestas e do ordenamento
do território, todavia sabemos que, até dadas as características da nossa
mancha florestal, não será só por isso que deixarão de haver incêndios.
Demoniza de alguma maneira o eucalipto?
Acha que, tal como se tem vindo a falar, esta espécie só por si potencia
os incêndios?
Posso dizer-lhe que temos uma
floresta desordenada e que há espécies mais propensas ao fogo, mas não posso
fazer essa análise. Para além disso, também sabemos que a mão humana é a principal
causa dos incêndios. Temos florestas com muito combustível e já sabemos que
quando há tempo quente e seco há que haver cuidados redobrados. A limpeza é
fundamental porque quanto mais tempo as florestas estão sem ser limpas, mais
combustível ganham e quando o homem não limpa vem o fogo e limpa.
Quando está num combate a um incêndio, nunca teve medo de perder a
vida, ou perder um dos seus homens? O que é que sente nesses momentos?
Não é fácil. Quando estou com os
meus homens estou mais descansado do que quando estou em casa e sei que eles
andam lá. Não é por falta de confiança. Eu confio neles, mas a preocupação é
tanta que nem consigo dormir.
Chegou a hora de profissionalizar os bombeiros?
Eu acho que alguma coisa vai ter
que mudar. E talvez não estejamos muitos distantes disso. Profissionalizar
penso que pode ser uma solução porque parece-me que a mística dos bombeiros se
perdeu.
Porque é que se perdeu?
Não sei explicar. Hoje vivemos
numa sociedade que quer muito ser servida mas não gosta de servir. Penso que
esse é o grande problema. Penso que a vida das pessoas mudou muito. Elas não
têm a mesma disponibilidade. A velocidade com que hoje acontece a vida, deixa
pouco tempo para se ser voluntário, para além de tudo o que se exige de nós.
Hoje também temos muitas obrigações que não vão ao encontro das poucas
disponibilidades que as pessoas têm. E quem vai pagar esta fatura vai ser a
própria sociedade que qualquer dia quer um bombeiro e não tem.
Será que isso acontece porque os bombeiros são pouco valorizados?
Também. Hoje temos menos gente a
integrar as corporações, e as que entram estão pouco tempo e portanto é difícil
isto continuar assim. Por isso, penso que o caminho será mesmo profissionalizar
os bombeiros e deixar campo aberto para os que querem continuar a ser
voluntários. Mas é importante ter em permanência equipas com profissionais.
Até para mais e melhor formação?
Sim. Também.
Tendo em conta a gravidade deste incêndio que desta vez provocou 64
vítimas mortais, 200 feridos, alguns deles em estado ainda muito critico,
talvez seja também o momento para se falar da falta de meios de combate a
incêndios…
Nós precisamos sempre. Olhe,
precisávamos de um veículo de comando novo, de um veículo florestal e de um
veículo de tanque. Se estivermos a falar de coisas novas é tudo muito caro.
E aqui no concelho do Bombarral há zonas de maior risco para incêndios
florestais?
Há 2 semanas andei eu, um técnico
da Câmara Municipal e o Comandante da GNR a fazer um levantamento da zona para
identificarmos locais de risco para incêndios florestais. Está tudo em
relatório.
E esse relatório ainda não saiu?
Não saiu porque ainda nos falta
ver uma freguesia mais a sul.
Quer comentar algumas das zonas que vão constar desse relatório?
Não vou apontar nenhum local, até
porque não pretendo que as pessoas fiquem muito alarmadas, mas essas situações
são preocupantes.
Mas se identificar esses locais será mais fácil para as pessoas tomarem
medidas de prevenção, não lhe parece?
Nós estamos ainda a trabalhar. O
relatório ainda não está terminado e quando estiver daremos essas informações à
autarquia.
Quando é que esse relatório estará pronto?
Penso que dentro de pouco tempo.
Ainda durante este verão.
As zonas de floresta que vão constar nesse relatório são propriedade
privada?
Quase que garanto que é tudo
privado.
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
Mulheres & Homens: Igualdade à vista?
“A mulher não foi feita para andar à frente ou para andar atrás, mas
sim para andar ao lado.”
"Revolução em
Dagenham", do título original Made In Dagenham, realizado por Nigel Cole
em 2010, foi o filme escolhido para a primeira sessão de cinema que decorreu na Biblioteca Municipal do Bombarral e que deu o pontapé
de saída para uma série de encontros/palestras sobre os direitos das mulheres, cuja
organização cabe ao Pelouro dos Assuntos Sociais da Câmara Municipal do
Bombarral, ao Núcleo de Intervenção Local para a Área da Violência Doméstica, (Nilavd),
e ainda a Associação Igualdade.pt e a União Mulheres Alternativa e Resposta.
O filme que conta a história real
de Rita O’Grady, interpretada por Sally Hawkins, operária da Ford, tem por
título o principal nome da greve de 1968, ocorrida na fábrica de Dagenham –
localizada em Londres, Inglaterra e narra a luta das operárias que almejavam
igualdade salarial.
Sobre o tema, a vereadora dos
Assuntos Sociais, Rosa Guerra, afirma que ainda há um longo caminho a percorrer
em todos os parâmetros que envolvam a igualdade de género, desde o acesso a
topos de carreiras preeminentemente ocupados por homens, quer mesmo ao nível da
igualdade de salários. “ Quando falamos
em determinados direitos, nós devemos estar em pé de igualdade com os homens.
Não temos a mesma estrutura física que os homens para alguns trabalhos que
exigem maior força física, logo não somos iguais. Somo diferentes. Mas em
trabalho igual, o salário deve ser igual.”
Em todo o mundo, o número de
homens excede em 62 milhões o número de mulheres, já que nascem mais bebés do
sexo masculino que do feminino, segundo as Nações Unidas. Mas quando se trata
da inserção no mercado de trabalho, há pelo menos 3,3 milhares de milhões de
mulheres à sombra dos homens. Os seus direitos continuam a ser suprimidos e
apesar do progresso nas últimas décadas, em parte, graças à luta incansável das
ativistas, ainda há muito trabalho a fazer. Foram criadas leis específicas para
proteger as mulheres que entretanto conquistaram alguns direitos como um maior
acesso à educação, por exemplo. No entanto, alguns dos problemas que têm perseguido
as mulheres ao longo da história continuam a existir.
Como atingir a igualdade de
géneros? E em que áreas? A esta pergunta Rosa Guerra responde sem hesitações: “É preciso que os homens nos vejam como
parceiras à altura de qualquer desafio, tendo sempre em conta as nossas
características. Podemos não ter a mesma força física, mas somos igualmente
inteligentes e capazes de tomar decisões. O mundo da política e o meio
empresarial continuam a ser predominantemente masculinos”
Efetivamente, em 2016, a ONU
revelou que apenas 17% de todos os ministérios em todo o mundo são chefiados
por mulheres. E entre os parlamentares, elas também estão em desvantagem. São apenas
22% num universo em que a maioria são homens. “Ainda se atribui à mulher a responsabilidade quase exclusiva da
educação dos filhos e embora a maternidade tenha vindo a ser cada vez mais
auxiliada por uma legislação que concede ao pai os mesmos direitos nas licenças
de parto, por exemplo, a verdade é que ainda é a mulher que fica em casa e esse
é também um fator decisivo para que elas fiquem arredadas desses lugares.”
O cenário também é desanimador
quando se analisam as posições de liderança: 11 mulheres atuam como chefes de
Estado e 13 como chefes de Governo, segundo um último levantamento da ONU em Agosto
do ano passado. “Neste estágio do
desenvolvimento humano, não há justificação para tamanha desigualdade.”
Refere a autarca.
Até mesmo o mais básico dos
direitos políticos para as mulheres, o voto, ainda enfrenta empecilhos: na
Arábia Saudita, por exemplo, as mulheres votaram pela primeira vez na história
apenas nas eleições municipais de Dezembro de 2015.
Violência Contra as Mulheres
A violência contra as mulheres em
relações de intimidade é a forma de violência mais comum no mundo inteiro. Trata-se
da violação dos direitos humanos mais frequente. Desde a violência psicológica,
física, sexual, coerciva e financeira, à perseguição e assédio, esta violência
contra as mulheres evade-se muitas vezes do âmbito doméstico e invade também o
contexto laboral. Todavia, as situações de mais difíceis resoluções são
encontradas sobretudo no espaço íntimo e nestes casos qualquer ato de violência
raramente é um ato isolado, sendo um processo contínuo e prolongado no tempo e
na existência das relações de intimidade ou mesmo após o termo dessas relações.
É um crime público.
Rosa Guerra afirmou ainda ao JRO
ter ficado bastante surpreendida ao descobrir que no início do Séc.XX o
Bombarral já tinha uma organização de mulheres dedicadas à luta pela igualdade
e lamenta que nas sociedades do séc.XXI ainda sejam visíveis diferenças entre
homens e mulheres sobretudo em contexto laboral.
“O avanço das mulheres e a conquista da igualdade entre mulheres e
homens é uma questão de direitos humanos e uma condição para a justiça social.”
Sobre os novos movimentos feministas, a vereadora do pelouro dos Assuntos
Sociais, destaca a necessidade de se eliminarem radicalismos, que entende serem
prejudiciais à saudável coexistência entre os géneros. Uma maior abertura para garantir
a todas as mulheres igualdade social, política, familiar e económica são, na
opinião de Rosa Guerra essenciais para alterar drasticamente o cenário mundial,
onde a desigualdade está por detrás das muitas dificuldades que enfrenta a atual
agenda de desenvolvimento.
À sessão de cinema seguiu-se um
debate com a moderação de Bruna Tapada, da Associação igualdade.pt e ainda a
participação de Joana Sales e Carla Kristensen da União de Mulheres Alternativa
e Resposta.
O próximo evento que incluirá mais uma vez a visualização de um
filme cuja película a ser exibida envolverá a
temática da Mutilação genital feminina.
Bobô é um filme português de 2015 do
género drama, realizado e escrito por Inês Oliveira e Rita Benis e que narra parte
do encontro de duas mulheres, Sofia e Mariama. O motor do filme é a sinergia
criada entre ambas na defesa de uma criança. Sofia, a protagonista do filme, é
uma personagem que vive presa nas sombras da sua infância, no peso da sua
“herança", da qual é urgente libertar-se. Mariama aparece como alguém
também ligada a essa "herança". Ela segue as regras que a sua
pertença exige, mas num determinado momento vê-se obrigada a desobedecer para
mudar o destino da pequena Bobô e evitar que esta seja submetida à mutilação
genital feminina (MGF).
“A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada,
nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual, debaixo do
braço, para ser protegida e do lado do coração para ser amada.” Rabino Chelbo
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
Foto de Perfil
Mimi
Pereira da Fonseca
“Não ficou nada por fazer. Realizei todos os meus sonhos.”
Mimi
Pereira da Fonseca tem muitas histórias para contar. Umas estão ligadas à
pintura, outras aos vinhos, mas a história principal está ligada à família. Uma
família grande, de 4 filhos, vários netos e alguns bisnetos, que Mimi construiu
ao longo de muitos e atribulados anos. Foi em Lisboa que Mimi olhou pela
primeira vez o mundo, corria
então o quarto dia de 1918, mas as suas raízes estão na Beira. Quis o destino
que se tomasse de amores por Joaquim Pereira da Fonseca, filho do famoso Abel
Pereira da Fonseca, o homem que precede a história e cravou nela o seu nome.
Oriunda de uma família humilde, viaja para o Bombarral com 22 anos e por aqui
ficou, criando raízes na Quinta do Sanguinhal que a par da Quinta das
Cerejeiras e a Quinta de São Francisco fazem parte do património da família. Encontramo-la
hoje com a experiência dos seus 99 anos, mas com o sorriso de uma menina de 20.
Como
é que foi a vida para si, Mimi? Foi simpática consigo?
Foi muito simpática. Estive
sempre rodeada de boas pessoas. Houve episódios menos felizes, mas guardo
sobretudo os bons momentos. Tive sempre uma boa vida. Senti muita falta dos
meus pais quando morreram, mas tudo se superou.
Nota
diferenças entre as jovens de hoje e as do seu tempo?
Claro. Os tempos são outros
e as pessoas são diferentes. A vida hoje encara-se de outra maneira. Mais
descontraída, talvez.
E
relativamente à evolução da mulher desde os seus tempos de jovem, o que acha?
Acho que as mulheres de hoje
se expõem muito. As mulheres do meu tempo eram mais respeitadas porque também
eram mais recatadas. Não se ofereciam aos homens como agora.
Ainda
se lembra dos seus tempos de namoro?
Ah, sim! Oh, se lembro!
Naquela época namorar era conversar. E sempre com os pais por perto. Na minha
opinião as mulheres evoluíram num mau sentido.
Mas
a Mimi também é uma mulher apaixonada, não é?
Sim, mas…recatada! (risos)
Quais
foram os momentos mais marcantes da sua vida?
O meu casamento e o
nascimento dos meus filhos. O melhor que fiz foram os meus filhos. Hoje tenho
filhos de que me orgulho e acredito que em parte, a educação que eu lhes dei os
tornou nas pessoas que são hoje. As filhas têm sido amorosas comigo. Eu não
mereço tanta coisa. Claro que também tive momentos complicados. O meu marido,
por exemplo, era um homem muito fechado em si mesmo. Não era de muitas
conversas, mas no geral tive um casamento feliz. Adaptei-me. Não há nada como
nos adaptarmos ao feitio das pessoas.
E
a sua vida profissional como é que foi?
Não tive. Dediquei-me ao meu
marido e aos meus filhos. A minha família foi sempre o meu foco. Na verdade, eu
nunca precisei de ter uma vida profissional. Os tempos eram outros. Pude
dedicar-me inteiramente à educação dos meus filhos e isso realizou-me.
Mas
teve um hobby importante. Dedicou-se à pintura…
Sim. Comecei a pintar muito
cedo. Comecei a pintar num colégio de religiosas em Sintra. Por influência da
minha mãe que não gostava de me ver de braços cruzados e queria que eu tivesse
uma ocupação. Comecei a ter aulas com a Eduarda Lapa que era na altura uma
pintora de renome. Foi ela quem me ajudou muito e aprendi imenso.
E
alguma vez desejou tornar-se reconhecida pela sua arte?
Não. De todo. Sempre quis
ficar no meu canto. Entendi sempre a pintura como uma distração. Nunca pensei
ir além disso. Não necessitava de ganhar dinheiro com os meus quadros. Deixei
de pintar durante muitos anos. Mas depois retomei e segui a minha vida pintando.
Só não pinto as paredes. (risos) Bom…por acaso até é mentira. Também já pintei
paredes. Pintei a minha casa de banho de verde-mar com malmequeres por cima da
porta. Ter um pincel grande ou pequeno não interessa. Interessa é pintar. Mas a
arte não era coisa para me valorizar. Serviu para me enriquecer interiormente.
E nesse sentido sinto-me uma mulher rica.
E
porque é que prefere pintar paisagens?
As caras são mais difíceis
de pintar. (risos) As paisagens são mais fáceis. Pinta-se uma árvore e já está!
Considera-se
uma mulher forte ou de lágrima fácil?
Ai, as lágrimas! As lágrimas
estão-me sempre a cair. Sou muito empática. Sempre fui. Tudo me emociona.
A
arte, por exemplo, emociona-a?
Sim. Sou muito sensível à
beleza. Tudo o que é bonito me encanta. A beleza desperta-me muitas emoções.
E
a arte contemporânea, também a emociona? Tendo em conta que a Mimi vem de uma
outra escola, o que pensa da arte que a maioria dos novos artistas plásticos
cria?
Temos que nos habituar aos
tempos. E para tempos vazios, esta é a arte possível. Mas é pouco apelativa aos
sentimentos. Não ligo muito. Não aprecio.
A
Mimi é nora do Abel Pereira da Fonseca, o homem a quem o próprio Fernando
Pessoa fazia várias vezes referência, visto que apreciava beber o seu copo na
Casa do Abel, em Lisboa. Foi fácil entrar para esta família?
Foi muito fácil. O meu sogro
era uma pessoa que se dava bem com toda a gente. Era um homem muito simples.
Quando vim para o Bombarral era muito nova, tinha 22 anos e não tinha mais
ninguém. Nasci em Lisboa, mas a minha família é da Beira. Eram beirões muito
simples. Daqueles beirões de quem gostamos logo à primeira vista. Eu não tinha
carro nem carta de condução, de modo que só podia visitá-los quando ia com o
meu marido. Como nem sempre era possível, acabei por me dar mais com a família
que tinha aqui e isso obrigou a que a minha integração se fizesse muito
rapidamente.
E
quando entrou para esta família, já gostava de vinho ou aprendeu a gostar
depois?
Eu sempre bebi um copo de
vinho às refeições. Mas com o tempo aprendi a apreciar e também a perceber da
sua produção.
Sente
que realizou todos os seus sonhos ou acha que ficou alguma coisa por fazer?
Não. Não ficou nada por
fazer. Realizei todos os meus sonhos. Nunca sonhei com coisas impossíveis.
E
arrependimentos? Tem algum arrependimento? Se pudesse voltar atrás o que é que não
faria?
Não penso nisso. Acho que
temos que aceitar a vida como ela é. E as escolhas que fazemos, são as que
achamos certas naquelas circunstâncias. Por isso, não me arrependo de nada.
Estes 99 anos têm valido muito a pena.
A
Mimi vive num pequeno paraíso, um sítio muito bonito cheio de história, cheio
de luz e de flores. No entanto, uma das coisas que o tempo trouxe a este
espaço, foi a abertura da sua casa às outras pessoas. Sente-se confortável com
esta “invasão” do público, ou pelo contrário, sente que a sua privacidade está
de certo modo a ser devassada?
Eu vivo a vida como ela é e
como ela foi feita. Não me faz confusão nenhuma que se organizem aqui eventos e
que se abram as portas às pessoas. Sinto-me sempre à vontade e até gosto que as
pessoas venham.
Tem
aqui o seu bisneto. O pequeno Joaquim. É muito diferente para si ter um
bisneto, de ter um filho?
Sim, muito diferente. Com os
netos e bisnetos, passa-se mais a mão por cima. (risos) É mais “ deixa lá,
deixa lá”. Quando eram os filhos, às vezes tinha de haver umas palmadas.
Para
o ano, se cá estiver, fará cem anos. O que é que seria uma boa prenda para si
por ocasião do seu centésimo aniversário?
Ah, não penso em prendas.
Isso é um disparate. Para mim, ter a família toda junta é o mais importante.
Não precisamos de festas para estarmos juntos. Somos uma família muito unida.
Fotografia:
Margarida Silva
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
Fernanda Botelho, a história de uma criadora de histórias
“Quero viver os meus últimos anos na Vermelha para escrever”.
Não passou muito tempo na
Vermelha, mas foi nesta aldeia do concelho do Cadaval que a escritora Fernanda
Botelho quis viver os seus últimos anos. Parente afastada do escritor Camilo Castelo
Branco e sobrinha-neta do artista plástico Abel Botelho, Maria Fernanda Botelho
de Faria nasceu no Porto a 1 de Dezembro de 1926 e faleceu em Lisboa a 11 de
Dezembro de 2007. Estudou Filologia Clássica nas Universidades de Coimbra e
Lisboa, esta última, cidade onde viria a fixar-se para ocupar a direção do
departamento belga de turismo entre 1973 e 1983. A escritora que agora o
Cadaval reconhece como uma das suas figuras mais emblemáticas foi ainda co-fundadora
da revista Távola Redonda e colaborou com outras publicações periódicas, nomeadamente
a Europa, Graal e Colóquio de Letras. Fez parte da Comissão de Leitura do
Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian.
Fez a sua estreia na literatura com
o livro Coordenadas Líricas (1951) e somou outras criações literárias, 12 ao
todo, publicadas, e mais umas quantas inéditas que ainda aguardam para verem a
luz do dia.
“Era uma mulher muito dinâmica,
viajada e que amava a vida.”
Hoje, passados 10 anos após a sua
morte resta de Fernanda Botelho um imenso legado cultural que abre as portas à
comunidade, numa iniciativa da neta, a Arquitecta Joana Botelho. Foi ela que
apresentou ao Jornal Região Oeste a Associação Gritos da Minha Dança, nome de
uma das obras da sua avó (uma recolha de textos inéditos) lançada pela autora
em 2003 e que seria o seu último trabalho publicado. A Associação que funciona
no nº 25 da Rua S. José, Casal Pinheiro (Vermelha) foi a morada da escritora
sempre que esta fugia do ruído citadino e se refugiava no campo. Quando
perguntamos quem era Fernanda Botelho, a neta da escritora não hesita em
responder: “Era uma mulher muito dinâmica, viajada e que amava a vida.”
“Quero viver os meus últimos anos na Vermelha para escrever”.
Terá
referido a escritora pouco antes de trocar a capital pela pequena aldeia no
interior do Oeste. A Associação
Gritos da Minha Dança que iniciou timidamente a partilha da sua riqueza
cultural pretende fortalecer-se tornando a antiga morada da escritora numa
Casa-Museu. E bem pode sê-lo.
Entre as largas centenas de obras
literárias e objectos de evidente importância histórica, move-se a mentora deste
projeto, Joana Botelho, que nos conta que Fernanda “era uma mulher muito
dinâmica, viajada e que amava a vida”. Sobre a Associação Gritos da Minha Dança
por ela criada, diz-nos que no início de todo o processo bateu a muitas portas,
e só depois de muita insistência algumas se foram abrindo. Há cerca de três
anos, apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, levou o município cadavalense
a reconhecer Fernanda Botelho como um nome a ficar na história do concelho e a
atribuir-lhe o valor que já tinha ganho a nível nacional. Hoje, graças à mulher
que fez um interregno na escrita ao longo de 15 longos anos por, como a própria
referia “Já não tenho nada para dizer”, o
Cadaval está mais rico não apenas graças ao acervo da casa que em breve será
museu, mas sobretudo pela obra da sua proprietária, a sua escrita e o seu percurso
de vida.
Ficcionista e poeta, Fernanda Botelho, inquieta, dinâmica e amante da
vida, morreu a 11 de Dezembro de 2007, mas antes de partir, foi na Vermelha,
aldeia do concelho do Cadaval, que deixou as maiores marcas da sua passagem por
este mundo.
A Associação Gritos da Minha
Dança tem apostado fortemente em actividades que procuram envolver as
comunidades escolares de dentro e fora do concelho e não esquece a comunidade
sénior que é desta forma levada à descoberta da obra de Fernanda Botelho. De
realçar também que a primeira edição do Prémio Literário com o nome da
escritora decorreu em 2016 na categoria de Conto, cuja entrega do prémio no
valor de 1.500€ teve lugar em Janeiro deste ano. O evento contou com a parceria
da Câmara Municipal do Cadaval e surpreendeu Joana Botelho pela positiva.
“Esperava menos participações, talvez umas cinquenta, mas a adesão dos autores
superou todas as expectativas e teve cerca de 400 contos a concurso. Muitos
deles de autores residentes em vários países da lusofonia e alguns até de
Itália.” Referiu a responsável.
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
Em relação ao futuro, as actividades
desta associação não se ficam por aqui. A próxima edição do Fólio, Festival
Literário de Óbidos contará com a participação da Casa (Museu) Fernanda Botelho,
que abrirá as portas ao público numa programação paralela.
Recorde-se que Fernanda Botelho
foi distinguida com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito e na Bélgica
com a Ordem de Leopoldo I e além da obra ficcional, destacou-se também no campo
da tradução, nomeadamente de "O Inferno", de Dante, pela qual recebeu
uma medalha da Direcção-Geral das Relações Culturais de Itália, tendo
igualmente seleccionado, traduzido e prefaciado uma "Antologia da
Literatura Flamenga".
Em 1961, Fernanda Botelho foi
agraciada com o Prémio Castelo Branco, pela obra “A Gata e a Fábula” e em 1995
volta a ser premiada com o P.E.N. Clube Português de Novelística graças à obra
“Dramaticamente vestida de negro.”
"Nem na morte vou perder o meu sentido de humor nem a minha
ironia", Fernanda Botelho ao Jornal Público em 2003.
Neste mês de Junho, sob a
responsabilidade do editor João Paulo Cotrim, será apresentada no Teatro S. Luís,
em Lisboa, a reedição do romance “Esta Noite Sonhei com Brueghel"
inicialmente editado em 1987 pela Editorial Presença e que agora contará com a
chancela da editora Abismo. Não há ainda data prevista para o evento.
Da sua obra ficcional, cuja
publicação iniciou em 1956, com "O Enigma das Sete Alíneas", fazem
parte títulos como "O Ângulo Raso" (1957), "Calendário
Privado" (1958), "A Gata e a Fábula" (1960), "Xerazade e os
Outros" (1964), "Terra sem Música" (1969), "Lourenço É Nome
de Jogral" (1971), "Festa em Casa de Flores" (1990)
"Dramaticamente Vestida de Negro" (1994) e “As contadoras de
histórias” (1998).
A Saga da Pobreza
Porque é de dignidade que falamos
1 em cada 4 portugueses vive em
privação material severa. O que não espanta ninguém pois o Instituto Nacional
de Estatística (INE) divulga que existem em Portugal cerca de 2,6 milhões de indivíduos
em risco de pobreza e/ou exclusão social. Números alarmantes, para um país que
se diz do primeiro mundo, que faz parte da União Europeia desde 1986 e partilha
a moeda única (Euro) desde 2002.
Para calcular o nível de privação material o INE considera nove itens relacionados com as "necessidades económicas e de bens duráveis" de uma família. Não ter acesso a três deles faz com que essas pessoas sejam classificadas como estando em privação material. Se não tiver acesso a quatro ou mais, essa privação material é considerada "severa".
Os dados divulgados em Dezembro
de 2016 pelo INE mostram que no ano passado quase metade dos portugueses (47,2%)
viviam em agregados familiares que não conseguiam pagar uma semana de férias
fora de casa. O valor embora alto recuou face aos 51,3% de 2015. Todavia, 38,3%
não tem capacidade para fazer face a uma despesa inesperada que ronde o valor
da linha da pobreza (um pouco acima dos 400 euros); 22,5% está integrada num
agregado familiar que não tem dinheiro para manter a casa aquecida; e 9,3% não
tem capacidade para pagar a tempo a renda ou outras despesas correntes.
25,1% dos adultos trabalham menos
de 20% do tempo, contando para isso a precaridade laboral e os longos períodos
de desemprego. 60% vivem com menos de
439 euros por mês.
Podemos esperar até ao final
deste ano, altura em que o INE fará novamente um levantamento dos casos de
pobreza no país para sabermos se estes dados sofreram alterações, todavia, a
realidade com que nos deparamos diariamente mostra que poucas ou nenhumas melhorias
se produziram nos últimos 6 meses.
E nos concelhos do Bombarral e
Cadaval, há famílias a sofrer de privação material grave? Há.
Guida Bruno, Sub-Diretora Centro Humanitário Litoral Oeste Norte (CHLON)
“As famílias que mais recorrem à ajuda regular da Cruz Vermelha e
outras instituições são os «profissionais da pedincha»
O núcleo do Bombarral da Cruz
Vermelha Portuguesa - Centro Humanitário Litoral Oeste Norte (CHLON) que opera
neste concelho desde 2014, ajuda com carácter regular 11 famílias, (um total de
34 indivíduos, incluindo crianças e idosos).
As ajudas mais frequentes
abrangem a alimentação, vestuário e bens para a casa, como móveis e eletrodomésticos,
mas o auxílio, por vezes a prolongar-se por vários meses, passa também pela ajuda
monetária com rendas de casa e renegociações de empréstimos bancários.
“São os novos pobres.”
Confidencia-nos Guida Bruno, sub-diretora do CHLON. “ São famílias que antes
tinham estabilidade e conseguiam cumprir as suas obrigações, e que de um
momento para o outro, devido ao desemprego, deixaram de conseguir.”
Com a Vida “de Pernas para o Ar”
Guida Bruno sublinha ainda que
estes novos pobres, são alvo de alguma mesquinhez por parte das comunidades. “Não é raro estas pessoas serem apontadas
depreciativamente e descriminadas com comentários do género: - Está mal mas tem
uma boa casa – ou,- está mal mas anda bem vestido.- As pessoas esquecem-se que
estas pessoas ficaram mal porque de repente a vida lhes ficou de pernas para o
ar.”
Contudo, “as famílias que mais recorrem à ajuda regular da Cruz Vermelha e
outras instituições são os “profissionais da pedincha”, como refere a
responsável que caracteriza estas pessoas como acomodadas, sem vontade de
produzir mudanças, “pessoas que querem o
peixe mas não querem aprender a pescar. Estes indivíduos são os verdadeiros
pobres, porque para além de pobres materialmente, são-no também de espírito”.
No Bombarral para além da Cruz
Vermelha Portuguesa existem também o Banco Alimentar contra a Fome (BAO) e os Vicentinos
que, como Guida Bruno explica, auxiliam os mais carenciados em troca de
evangelização.
A Cruz Vermelha faz campanha para
doação de bens alimentares, apenas 2 vezes por ano. A recolha é feita nos
hipermercados Continente. Todavia, qualquer pessoa pode dirigir-se ao núcleo
mais próximo para doar bens alimentares não perecíveis, bem como qualquer outro
bem que tenha a mais em casa.
Nutricionista e psicólogo são
algumas das valências ao nível da saúde disponíveis para os mais carenciados. Os
valores destas consultas são sempre mais baixos que fora do núcleo, mas há quem
pague o valor simbólico de apenas 1 euro.
“Por norma, famílias com baixa escolaridade são mais susceptíveis de
caírem numa situação de pobreza severa.”
No Cadaval os números da pobreza
não são muito diferentes. Segundo Inês Silva, Técnica do Serviço Social do núcleo da CV do Cadaval,
esta instituição apoia directamente em colaboração com o Banco Alimentar, 60
famílias do concelho (40 na freguesia de Cadaval e Pêro Moniz e 20 nas
freguesias de Paínho, Figueiros e Alguber). Cerca de 20 famílias do concelho
recebem apoio também com outros bens, como o vestuário. À semelhança do núcleo
da Cruz Vermelha no Bombarral, aqui também não é esquecido o acompanhamento
psicossocial ou o material ortopédico. “A
nossa Clínica de Saúde permite-nos chegar a toda a população (do concelho e de
fora) com respostas em especialidades que não temos nas proximidades e em casos
de emergência social ao nível dos cuidados de saúde primários.” Explica
Inês Silva. A mesma responsável, conta ainda que “os números da pobreza têm aumentado devido a problemáticas diferentes,
mas tem havido uma preocupação crescente por parte das entidades/instituições
em dar mais e melhor resposta à comunidade”.
Quando falamos da tipificação das
famílias, mais uma vez são notórias as semelhanças com o concelho vizinho, o
que de resto acontece em todo o país. A pobreza extrema atinge sobretudo as
famílias monoparentais com filhos menores, cuja formação académica é
praticamente inexistente. Também o elevado número de famílias alargadas (avós,
pais e netos) e famílias nucleares jovens com filhos, são frequentemente tidos
em linha de conta para receberem o apoio da Cruz Vermelha. “Por norma, famílias com baixa escolaridade (escolaridade mínima
obrigatória ou menos) são mais susceptíveis de caírem numa situação de pobreza
severa. A situação profissional com mais impacto é o desemprego que atira muitas
famílias para os trabalhos sazonais, que é uma grande caraterística do concelho.”
Refere ainda Inês Silva.
Segundo o Instituto Nacional de
Estatística, a estratégia Europa 2020 definiu como objetivo reduzir em 20
milhões o número de pessoas "em risco de pobreza ou exclusão social na
União Europeia". Nesse sentido, foi definido um indicador harmonizado que
permite avaliar o cumprimento desse objetivo, juntando conceitos de pobreza
relativa, privação material e integração no mercado de trabalho. Até 2020 há um
imenso trabalho a fazer para permitir a todas as famílias uma prosperidade que
se traduza em dignidade. Porque é de dignidade que falamos.
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
O Abandono Tem Nome
Amigos (mas não) para sempre
Guida. Está nas instalações na APAC-Cadaval
Em Setembro de 2014 entrou em vigor a primeira lei que criminaliza maus tratos e abandono de animais de estimação, com penas de prisão efectiva entre 6 meses e 1 ano. Desde o 1º dia de Maio, vigora igualmente novo estatuto jurídico que reconhece os animais como "seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica.” Quem mata ou agride um animal fica obrigado a indemnizar o seu proprietário, assim como os indivíduos ou entidades que o socorram, pelas despesas inerentes ao seu tratamento. Já o proprietário do animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as suas características. Todavia, na prática, o que é que mudou realmente?
Basta-nos visitar algumas associações de protecção aos animais na Região Oeste, para percebermos que entre cães e gatos, continuam a existir largas centenas de casos de abandono. Graça Rito, responsável pela Rede Leonardo garante que não diminuíram desde 2014. Cada animal resgatado conta uma história diferente e igual a todos os outros. Partilham o mesmo destino trágico. A dada altura das suas vidas, vêem-se imprestáveis, inúteis e reduzidos a lixo. Felizmente para eles, há quem se importe. Nos abrigos que visitámos, há mãos humanas que alimentam, afagam e trabalham diariamente para que nada lhes falte. Essas mãos são de voluntários. Homens e mulheres que se dividem entre compromissos profissionais e familiares, e os cuidados diários aos animais que, a bem da verdade, nunca foram de estimação. Não recebem mais nada em troca, além da satisfação de saberem os animais seguros. Com um pouco de sorte, aparecem famílias dispostas a acolher o que outras mandaram fora.
Podemos tentar adivinhar as motivações de quem, à luz do dia ou na calada da noite, reúne coragem para deixar um animal indefeso à beira de uma estrada ou amarrado a um poste. Ou talvez devamos substituir aqui coragem por cobardia, porque é de cobardia que se trata. Todos os dias, sobretudo nas redes sociais, nos deparamos com novos casos. O cão que foi mandado de uma ponte abaixo, o que ficou sozinho numa estrada e acabou atropelado, o que tem donos dotados de uma boa dose de indiferença ou crueldade e que o mantêm preso a meio metro de corrente, água fétida e comida bolorenta. Conhecemos ainda casos como os da Julie e da Guida, que foram simplesmente amarradas às portas dos abrigos, ou da Simone, um esqueleto a deambular em busca de refúgio e comida.
"Choram quando a porta do abrigo se fecha e aguardam ansiosas pelo dia em que a abrirá uma mão amiga que as guie para uma nova vida. Até quando ficarão à espera?"
Julie. Aguarda uma família nas instalações da Fiel Amigo- Bombarral.
Um destes abandonos chama-se Julie. Está desde 2015 na Fiel Amigo, associação do Bombarral que salva vidas caninas há 16 anos. Na Fiel Amigo, 70% dos animais são deixados à porta. Encaixotados, ensacados, presos por cordas. A criatividade é muita para quem, sem qualquer pudor se quer ver livre de um animal. A falta de chip na maioria impede a identificação dos tutores, mas quando essa identificação é possível, o confronto de nada serve. Segundo Mariana Lé, nos poucos casos em que os donos consideram a retoma do animal, voltam a abandoná-lo pouco tempo depois. A Julie, hoje com três anos, foi amarrada a quatro irmãos, e todos, literalmente, atirados para dentro do abrigo. Os irmãos da Julie (como ela, de porte grande) conheceram um final feliz com a adopção. A Julie, não. Mesmo estando esterilizada, chipada e com todas as vacinas em dia, espera ansiosamente por um humano que tenha um coração tão grande como o dela e a leve para um verdadeiro lar.
Reportagem no nº3 do JRO-Jornal Região Oeste
“Podemos julgar o coração de um homem pela forma como ele trata os animais”
Immanuel Kant.
Guida é outro nome para o abandono. Arraçada de pastor alemão, tem apenas um ano de idade. Na primeira semana deste mês de Abril, alguém decidiu atá-la com uma corda à porta da APAC, no Cadaval. A Guida lambe-nos as mãos e pede-nos mimo, mal nos aproximamos. Mesmo no abrigo, não descura o que aprendeu em casa e aguarda pacientemente que uma das voluntárias a passeie na rua. A Guida, que sucumbiu à tristeza de se saber abandonada, passa os dias a chorar. Ana Cristina Neves, presidente da APAC, conta ao JRO que este abrigo, tal como outros que visitámos, está sobrelotado e receia que a Guida, confinada a um espaço exíguo, desista de viver.
Simone. Cuidada pelas voluntárias da Rede Leonardo- Caldas da Rainha
Na Rede Leonardo, nas Caldas da Rainha, o abandono chama-se Simone. Uma cadela Fila de São Miguel que tem ternura a transbordar pelos olhos. Não tem mais que 5 anos mas já foi mãe várias vezes. Há indícios de que terá sido usada para criação até ao dia em que a consideraram inútil. Desde então, o infortúnio bateu-lhe à porta. Fome, frio e outros perigos foram companheiros fiéis até ao momento em que a Rede a resgatou.
A Julie, a Guida e a Simone têm em comum o abandono e o temperamento dócil. Carentes, partilham mimos com quem se aproxima e pedem a retribuição desse afecto. Choram quando a porta do abrigo se fecha e aguardam ansiosas pelo dia em que a abrirá uma mão amiga que as guie para uma nova vida. Até quando ficarão à espera?
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
“Andamos todos muito focados em coisas e não estamos focados na vida,
na riqueza do quotidiano.”
Os 50 desafios do jogo que está a
chocar o mundo, já chegaram a Portugal mas tanto quanto se sabe, ainda não
chegaram ao Oeste. Baleia Azul, é o nome do jogo macabro inventado pelo russo
Filipp Budeykin, de 21 anos, agora detido, que pretende levar para a morte
todos os jovens que aceitem jogá-lo.
Os participantes recebem
mensagens que envolvem a execução de tarefas como sair de casa às 4 horas da
manhã para subirem a pontos altos onde o perigo esteja iminente, a visualização
de filmes psicadélicos, cortes em várias partes do corpo entre outros desafios
que culminam em suicídio. Começa com uma troca de mensagens em redes sociais
como o Facebook ou o WhatsApp e é composto por 50 desafios diários. Os
“curadores” ou administradores destes grupos apresentam-se com uma imagem de
uma baleia azul e são eles os responsáveis por lançar os desafios. Aqueles que
acharem que não estão à altura dos desafios são incitados a “castigarem-se”,
cortando-se várias vezes. No final das provas, as “baleias azuis” — como se
chamam os jogadores — devem enviar fotos para o “curador”. No desafio número
26, o guardião explica aos participantes qual é a data da sua morte. O desafio
seguinte repete-se durante 19 dias e é uma espécie de síntese dos anteriores.
“O que esse jogo faz é reunir um público composto principalmente por
adolescentes, que já enfrentam sofrimentos psicológicos que incluem depressão e
que estão por isso mais predispostos a arriscar a vida.” Explica Sónia
Costa, psicóloga no Agrupamento de Escolas do Cadaval. “O que é preciso questionar é o porquê de tantos jovens se deixarem
influenciar por este tipo de jogo ou fora do contexto do jogo, se deixem cair
numa espiral de fragilidade emocional que os leva a atentar contra a própria
vida. Esta é a pergunta que devemos fazer.” Alerta.
“Pais desatentos, demasiado centrados nas suas ocupações profissionais
e descuidados na sua missão de pais é a verdadeira razão pela qual os jovens se
sentem hoje tão perdidos.”
Esta é a conclusão a que chegam
os professores com quem falámos. Isolamento, dificuldade em fazer amigos,
bullying nas escolas, e a falta de atenção da família, deixa o jovem mais
predisposto para o jogo da Baleia Azul ou para, se deixar arrastar para
depressões. Segundo Sónia Costa, a faixa etária de maior risco é a que enquadra
o período de adolescência, entre os 13 e os 17 anos. A psicóloga refere ainda
que toda a atenção dada a jovens nestas idades é pouca e deixa aos pais um
conselho: “Acompanhem muito os vossos
filhos. É importante que eles não procurem fora de casa, a atenção e afeto que
lhes falta dentro.”
Jorge e Sérgio Rodrigues, ambos
docentes, a falta de tempo para os filhos, de que sofre a maioria das famílias
é uma consequência directa da globalização. “ Há
hoje, por causa dessa globalização uma maior exigência ao nível laboral que
havia nos tempos dos nossos pais e dos nossos avós. Portanto, é normal que os
pais não tenham a disponibilidade para os seus filhos que os nossos pais, na
nossa adolescência, puderam oferecer-nos, mas é preciso contrariar essa
tendência. A globalização trouxe muita coisa boa, mas, o tempo que rouba às
famílias é definitivamente uma coisa má.” Referem.
Outra questão que levantámos diz
respeito ao modelo de ensino que não sofreu grandes alterações nos últimos 40
anos. Ainda é um modelo que responde às necessidades dos alunos do Sec XXI?
“Não, não é. A escola também tem que mudar. O modelo educativo tem que
mudar porque já não acompanha as exigências atuais.” E também aqui, o grupo
de docentes com quem falámos, parece estar de acordo.
O jogo "Baleia Azul" começa numa troca de mensagens no
Facebook ou no WhatsApp.
Carla Maia, professora de
Educação Cívica na Escola Básica e Secundária do Cadaval, conta que o tema
“Baleia Azul” já foi abordado numa das suas aulas e que não notou alarmismo nos
seus alunos. Também os professores encaram toda a polémica em volta do jogo
Baleia Azul, com alguma tranquilidade, confiantes de que, para já, este “jogo”
não tem uma expressão preocupante. Todavia, como referimos acima, o grupo de
docentes com quem falámos considera preocupantes outros sinais. Comportamentos
problemáticos que remetem os jovens para estados mais ou menos depressivos e
que de uma maneira ou de outra são prejudicais ao seu saudável desenvolvimento.
Nesta escola do Cadaval os professores estão atentos e procuram esclarecer os
seus alunos sempre que as perguntas surgem em contexto de sala de aula.
Todavia, se a Baleia Azul é a
grande responsável pelos casos de automutilação e tentativa de suicídio de 4
jovens no nosso país, algumas dezenas em países como Brasil, Rússia, Reino
Unido, França e Espanha, perderem mesmo a vida e muitos outros há, em que sem a
influência deste jogo se deixam dominar por sentimentos negativos e
autodestrutivos. O JRO quis saber quais são as motivações dos jovens que enveredam
por caminhos que culminam muitas vezes em suicídio.
“Trocou-se o ser pelo ter”
Os vários professores, diretores
de turma e psicólogos dos agrupamentos escolares do Bombarral e Cadaval são
unanimes em afirmar que a grande responsabilidade pelo vazio que muitos jovens
hoje sentem, é da total inversão de valores que prolifera nas sociedades atuais
“rendemo-nos ao materialismo.
Substituímos os afectos por coisas. Bens materiais não preenchem nem estimulam
o amadurecimento emocional dos jovens.”
Andreia Perdigão, psicóloga no
Agrupamento de Escolas Fernão do Pó (Bombarral) considera que acima de tudo é
preciso levar uma mensagem positiva aos jovens. “Os adultos devem encaminhá-los para actividades que lhes proporcione
momentos de prazer e de alegria. Os miúdos de hoje devem comunicar mais. E nós
enquanto pais e professores devemos estar mais atentos e disponíveis. Andamos todos
muito focados em coisas e não estamos focados na vida, na riqueza do quotidiano.
Temos que mostrar aos miúdos que eles não que não têm que estar sempre no auge,
sempre a fazer coisas estimulantes, coisas que tenham um grande impacto. É
preciso também que eles não sejam tão sobrecarregados com tarefas, com
actividades curriculares e extracurriculares. Eles têm que ter tempo para estar
com os amigos. Devem fazer uma boa alimentação, dormir bem, devem focar-se mais
no presente, serem menos exigentes com eles, permitirem-se falhar também. É
preciso que nós possamos reaprender a ter satisfação nas pequenas coisas para
podermos ensinar os nossos filhos a fazê-lo. Eles têm de aprender a estabelecer
objectivos realistas, sem deixar de sonhar. Somos muito depressivos, muito
pessimistas e não estamos a ajudar os miúdos a serem mais positivos se nós
também não o formos. Estamos muito focados nas situações de perigo e de medo. É
preciso aprender a gerir o stress.”
Segundo Andreia Perdigão a geração de
pais e mães destes jovens, teve uma adolescência mais descontraída porque os
pais (hoje, avós) estavam menos focados no perigo. “Estamos a viver um momento em que algo tem que mudar até na própria
escola porque não estamos a ajudar os miúdos a crescerem saudáveis. A
componente emocional e espiritual foi esquecida e os miúdos não têm espaço na
escola para falar das emoções, nem espaço para as trabalhar.” Também
Andreia Perdigão defende que o modelo curricular deve ser alterado uma vez que
não acompanha as necessidades dos jovens estudantes de hoje. “Um currículo muito pesado do ponto de
vista de conteúdos que não deixa espaço para os seus verdadeiros interesses.”
Mas há cursos profissionais, frisamos. “Os
cursos profissionais que existem e que são parte do caminho a percorrer para
que os jovens aprendam aquilo que de facto lhe poderá ser útil na vida adulta,
ainda sofrem um estigma muito forte. A maioria dos pais ainda tem uma visão muito
deturpada sobre a formação profissional. Existe um grande preconceito em
relação a este tipo de cursos o que faz com que os jovens não os escolham ou os
representem de uma forma errada. Os cursos profissionais ainda são vistos como
cursos para alunos menos dotados, ou para os meninos com problemas de comportamento
e os cursos profissionais neste momento não são nada disso. Estes cursos são,
sim, uma belíssima resposta do sistema educativo e preenche muito mais esta
necessidade de fazer coisas, de fazer coisas com impacto e que lhes façam
sentido.”
Na era digital, onde a informação
se cruza a uma velocidade vertiginosa, aparentemente nada falta para o saudável
crescimento dos jovens.
“Mas não crescem
emocionalmente e por conseguinte não sabem lidar com as emoções. Estes jogos;
os bullyngs; as automutilações; os estados depressivos; as bulimias; anorexias
e outros comportamentos que implicam sofrimento são sintoma de que o jovem em questão
não desenvolveu a sua inteligência emocional e espiritual e se sente
completamente perdido.”
O que é que nos escapou? “Se calhar é uma perspectiva muito
política, mas nós adultos estamos focados no aspecto material e esquecemos o
humanismo. Passamos isto para os miúdos. Estamos todos em competição. Competimos
uns com os outros para ver quem faz mais ferias, quem tem o melhor carro, quem
anda melhor vestido, e às tantas…perdemos o sentido…”
Acha que ainda é possível
recuperá-lo? “Acho que sim. Sou uma
optimista.”
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
Bares de Alterne
Clientes aliciados a beber com ilusão de sexo
Vistos do exterior, parecem bares vulgares. Contudo, o seu interior esconde os dois mais antigos vícios do homem. Álcool e mulheres. Mas ali não se procura vender o corpo. "Vende-se companhia", conta uma das alternadeiras.
Nos bares de alterne, os clientes são incentivados a pagar bebidas a preços exorbitantes, em troca de convívio. Por alguns minutos de companhia, conversa e talvez uma dança ou duas, um cliente gasta facilmente entre 50 a 100 euros, muitas vezes numa bebida apenas. Cabe à "alternadeira" ser astuta o suficiente, para levar o homem a gastar o máximo no mínimo de tempo possível. Depois da primeira abordagem e do primeiro copo, tudo se torna mais fácil.
Aqui ganha mais quem melhor souber seduzir o cliente. Frutos de relacionamentos problemáticos, casamentos desfeitos, carências afectivas ou insegurança económica, homens e mulheres reconhecem nestas casas o local ideal para se encontrarem e lucrarem com esse encontro. A bem da verdade, elas lucram mais do que eles.
A maioria das mulheres da noite prefere "esconder-se" com os usuais disfarces (perucas e lentes de contacto de cor) e nomes "artísticos", mas também trabalha no alterne quem prefira não usar nada disso, ficando-se apenas pelo nome fictício.
Com uma pseudo-simpatia, pseudo-afecto e uma conversa envolvente em que não faltam as promessas de um possível encontro sexual (raramente concretizadas), estas mulheres conseguem levar os mais carentes e/ou desprevenidos a gastarem muitas vezes o dinheiro que não têm. Mas esse é o preço. O preço do jogo de sedução ilusória que os homens que frequentam as casas de alterne parecem estar dispostos a pagar.
Amplamente difundidas em Portugal, as casas de alterne continuam a constituir um dos mais bem sucedidos negócios da noite. Segundo as estatísticas, das cerca de 30 mil mulheres que vivem do negócio do sexo no nosso país, 10 mil trabalham em bares de alterne.
Embora estes espaços de diversão nocturna se encontrem consideravelmente longe dos velhos padrões da prostituição, o certo é que continuam a ser confundidos com "casas de meninas" onde o sexo é a transacção principal.
A região Oeste acolhe vários destes por isso seleccionamos três para perceber como funcionam. Bares completamente diferentes quanto ao seu aspecto físico e clientela que os frequenta, mas iguais na forma como funcionam.
"Muitos clientes procuram-nos apenas para desabafar".
Carla (nome fictício) tem 25 anos, é portuguesa e trabalha na noite há 4. Foi mãe aos 18 de uma menina que nunca conheceu o pai, porque este não a quis assumir nem vê-la uma única vez . Depressa percebeu que os 350 euros que levava para casa, do seu trabalho como caixa num supermercado, mal chegavam para pagar a renda das águas- furtadas em que vivia em Lisboa. Por isso não hesitou quando uma amiga a convidou para trabalhar com ela numa casa de alterne em Setúbal. "Eu precisava mesmo de ganhar mais dinheiro. Com o meu salário já só conseguia aumentar as dívidas e foi em muito boa hora que soube do bar", conta. Segundo o relato de Carla, a sua situação ainda melhorou mais quando foi para um bar de Torres Vedras. "Aqui consegui uma casa melhor e mais barata e como não existem tantos bares em Torres também não há tanta concorrência, logo conseguimos trabalhar mais", afirma.
E em que consiste esse trabalho? Carla foi peremptória ao responder que o sexo nunca fazia parte do acordo entre ela e o cliente: "Limito-me a abordar o cliente, sendo simpática com ele. Apresento-me, pergunto se posso ficar ao lado dele e caso a resposta seja afirmativa a conversa flui naturalmente", revela.
E do que costumam falar? "De tudo. Dos problemas deles. Às vezes até dos problemas que têm em casa, com os filhos, as mulheres. Muitos clientes procuram-nos apenas para desabafar. E nós ouvimos, estamos atentas, mostramos interesse. O cliente gosta disso. Ser boa ouvinte é um requisito fundamental para se trabalhar nesta área", refere Carla. "Depois sugerimos ao cliente que peça uma bebida para ele e outra para nós. Isto deve acontecer nos primeiros 10 ou 15 minutos de conversa, porque não podemos perder muito tempo com o mesmo cliente", descreve.
Decorridos mais alguns minutos de conversa após a primeira bebida, surge o pedido para uma segunda. E assim sucessivamente. A "alternadeira" só abandona o cliente quando percebe que este não está disposto a pagar mais. "Quando o cliente diz que não paga mais, então saímos da mesa e abordamos outro. Mas não somos mal-educadas."Despedimo-nos da mesma forma simpática, porque queremos que esse cliente volte", sublinha.
E quando o cliente é mais atrevido e se quer aproveitar da mulher, o que fazem? "Nesse caso, deixamos bem claro que não é para isso que aqui estamos. Nós apenas fazemos companhia ao cliente, Dançamos para ele ou com ele se for o caso. Nunca mais do que isso. Para evitar problemas temos sempre o segurança que vai passando para ver se está tudo bem e evitar abusos. Se for mesmo necessário o cliente é convidado a sair".
3500 a 5000 euros por mês, com alguma sorte, mas também muito "engenho", uma noite pode render a Carla e a mais 5 mulheres que ali trabalham, cerca de 200 euros. Às vezes mais. Em média ganham por mês cerca de 3500 euros mas podem chegar aos 5 mil. Recebem no final de cada noite o valor total da primeira bebida e 50% das posteriores. "Tudo depende dos clientes que entram. Tem mais a ver com a quantidade de clientes do que com o recheio das suas carteiras. Neste bar quase todos os que entram são de classe média/média alta e até alta. Por isso costumam pagar bem. Se forem muitos, melhor ainda", explica.
Aqui os preços das bebidas não diferem muito dos praticados em outros bares. O mínimo que um cliente paga por uma bebida que oferece a uma mulher são 15 euros. Neste caso o copo apenas contém sumo ou água. E poucas são as mulheres que aceitam bebidas nesse valor. "Nem pensar. Eu não estou com um cliente por 15 euros. Peço sempre o primeiro copo no mínimo de 25 euros, nesse caso já pode ser whisky ou vodka, qualquer coisa com álcool. Depois existem ainda outros preços, um copo de 30, 50, ou 60 euros. E temos ainda as garrafas de champanhe ou whisky, embora as de champanhe sejam as mais pedidas", relata.
Neste bar de alterne em Torres Vedras, as luzes criam um convite à intimidade e na pista está o varão onde Carla faz os seus shows de strip-tease (pool dance) e por isso mesmo acaba por ser uma das mulheres mais bem pagas do bar. "Os clientes preferem pagar bebidas às mulheres que dançam. E por vezes até pedem uma table dance ou um privado. É aqui que entram as garrafas de champanhe. Por uma "mini gância", por exemplo, eu tento sempre acordar com o cliente 120 euros para cima, chegando às vezes aos duzentos, em troca de uma dança no reservado", admite a alternadeira.
Como a maioria das mulheres que trabalham no alterne, Carla não parece importar-se que a vejam nua, enquanto rodopia no varão, com uma sensualidade que não passa despercebida a nenhum dos homens que a vêem. "Sinto-me desejada. E isso dá-me poder. Eu sei que é assim que consigo levar o dinheiro que quero para casa. Gosto muito de seduzir. De estar no controle. É o desejo deles que os leva a pagar e eu limito-me a alimentar esse desejo com este jogo. Mas não passa de um jogo. Sexo, só faço com quem eu quero e desejo também", confessa.
Quando perguntamos se Carla se sente realizada com a vida que tem, a resposta não podia ser mais honesta: "Realizada? Não. Claro que não. Gostaria de ter sido enfermeira. Ainda estudei até ao 9º ano. Não foi possível mais. Mas é a vida que tenho. Agora tenho namorado, tenho a minha filha comigo, ganho bem, compro o que quero e ainda tenho a admiração dos meus clientes. A amizade deles. É um mundo quase perfeito".
"O que acontece no privado não tem nada a ver com sexo"
Entre Caldas da Rainha e Rio Maior encontramos outra casa de alterne, que chegou a ter 15 mulheres a trabalhar, quase todas oriundas dos países de Leste. Poucas brasileiras e ainda menos portuguesas.
Tal como noutros bares que o nosso jornal visitou, não existem mulheres a trabalhar ilegalmente. A maioria é casada. Algumas mães. No entanto, ali estão, noite após noite, para ajudarem com mais algum dinheiro no orçamento familiar.
Ao contrário do anterior, este não tem entre os seus clientes homens de classe média/alta. Aqui as classes baixa e média são predominantes. O próprio espaço em si também não convida à entrada de um público mais exigente. Mas as mulheres, não sendo modelos, chamam a atenção, quanto mais não seja devido ao tipo de roupa que vestem. Reduzido. Provocante.
Quanto aos preços, o mesmo. Bebidas no mínimo de 15 euros, sendo constituída apenas por sumo ou água, e as alcoólicas de 25 até 30 euros o copo. E claro, depois as garrafas de whisky ou champanhe. 50, 80, 120, 150 euros ou mais ainda se o cliente aceitar pagar.
Quanto aos preços, o mesmo. Bebidas no mínimo de 15 euros, sendo constituída apenas por sumo ou água, e as alcoólicas de 25 até 30 euros o copo. E claro, depois as garrafas de whisky ou champanhe. 50, 80, 120, 150 euros ou mais ainda se o cliente aceitar pagar.
Aqui as mulheres ganham 60% do que conseguirem que o cliente pague. Em média 100 euros por noite. Cerca de 2.500 euros por mês. Em frente aos espelhos que revestem as paredes da sala principal, Mónica (nome fictício) dança alegremente com as colegas enquanto espera que o bar se encha de clientes.
Também aqui o ritual de aproximação é o mesmo. Primeiro fazem-se as apresentações, depois um pouco de conversa e a sugestão da bebida. Alguns minutos depois observamos Mónica a sair da sala com o cliente em direcção a um cubículo isolado e escuro, onde cabe apenas um pequeno sofá.
Atrás deles segue o segurança com o balde do gelo e a garrafa de champanhe. Trinta minutos depois, Mónica regressa à sala. Ficámos então a saber que o tempo estipulado no privado são exactamente os trinta minutos. Se o cliente quiser mais tempo, terá de pagar outra garrafa, que custa no mínimo 120 euros. Mas Mónica desta vez conseguiu acordar a ida ao privado por mais uns euros. 150. "O que acontece no privado não tem nada a ver com sexo. O que acontece é que alguns clientes preferem estar mais à vontade. A maioria dos nossos clientes são de perto e não querem ser vistos aqui por alguém que os reconheça. Por isso preferem o privado."
Mónica tem 34 anos e deixou a Ucrânia há 2. Já se apaixonou mas nunca casou. Um amor não correspondido empurrou Mónica para as teias do alterne. "Ele não me amava. Usou-me. O amor não presta. Não quero amar outra vez. Isso é só ilusão. Maior ilusão que a que vendemos aqui todas as noites. Aqui eu não faço sofrer ninguém, e por amor eu já sofri demais", desabafa. "Antes isto do que a prostituição. Aqui nós só seduzimos o cliente. Somos simpáticas, alegres e damos afecto. É tudo o que a maioria quer de nós. E quando aparece algum que quer mais do que isto temos que saber dizer não. Antes isto do que a prostituição", avança.
Se as mulheres que trabalham no alterne não vendem sexo, quisemos saber o que leva a generalidade das pessoas a pensar que sim, e porque é que esta actividade não é bem vista pela sociedade. "As pessoas são preconceituosas e falam mal do que não conhecem. Muitos dos que dizem mal nunca entraram num bar de alterne", sustenta. Apesar disso, Mónica reconhece que também aqui não há regra sem excepção. "Algumas mulheres fazem sexo por dinheiro. Mas a maioria não faz. E as que fazem, raramente o fazem aqui. Combinam com o cliente e fazem lá fora. Mas isso é péssimo. Para além de elas passarem uma má imagem da actividade, ainda estragam o negócio. Cliente que paga lá fora, não vem pagar cá dentro e isso é mau para o negócio", diz. Por mais irónico que pareça, segundo Mónica, a única coisa que a mantém afastada da família que deixou na Ucrânia é precisamente o seu apego a ela. "Eu dou muito valor à minha família. Sou muito apegada a ela. E é pelos meus familiares que estou em Portugal. Do que eu ganho aqui, pouco fica comigo. Mando-lhes praticamente tudo. Sou eu quem sustenta os meus pais, avós, irmãos e sobrinhos. Não quero que lhes falte nada", indica.
"Eu não sou prostituta"
Com oito anos de experiência na noite e 36 de vida Suzy (nome fictício), confessa "sem papas na língua" que já passou pela prostituição mas trocou a "venda do corpo" pela "venda de companhia". Saltitou por várias casas de alterne, tendo encontrado "poiso" nos últimos tempos num bar mais pobre e de aspecto duvidoso, nos arredores da Benedita.
Com condições semelhantes às dos outros bares, funciona com quatro, no máximo, cinco mulheres, quase todas oriundas de Leste, mas aqui quem "dá as cartas" é uma brasileira rebelde e atrevida, que diz já ter apanhado com toda a tareia que a vida foi capaz de lhe dar.
Com quatro filhos ainda menores a viver do outro lado do Atlântico, dois deles fruto de um segundo casamento que também terminou mal, Suzy conta ter já sido por várias vezes vítima de violência por parte dos homens com quem se relacionou. Por isso, não é de estranhar o azedume na voz, nem a frieza no olhar quando nos fala das motivações que a levaram a procurar esta vida. "Eu sei que já vendi a alma ao diabo. E continuo a fazê-lo quando finjo ser simpática com estes homens que aparecem aqui. Mas é a única maneira de eu conseguir o dinheiro", comenta. Mas assegura: "Eu converso apenas. Seduzo. Mas não chego ao contacto físico. Eu não sou prostituta. Se o cliente me paga bebidas porque fica na expectativa de um dia ter relações sexuais comigo...problema dele. Eu aqui não faço nada disso".
Quando perguntamos se Suzy consegue permanecer sóbria durante toda a noite, apesar do consumo excessivo de álcool, a sua resposta não deixa margem para dúvidas: "Ingerimos poucas quantidades de álcool. Quase sempre 90% de água ou sumos e 10% de álcool. No caso do whisky é ainda melhor, porque podemos trocar por sumo de maçã sem que o cliente repare na diferença".
Os bares que visitámos não parecem ter como prática comum o incentivo ou exploração da prostituição (o que constitui o crime de lenocínio). Com ou sem prostituição, as casas de alterne continuarão a vender ilusões e pseudo-afectos.
(Artigo publicado no Jornal Mais Oeste e Jornal das Caldas)