Friday, 18 November 2016

Amar as estrelas...



Ora (direis) ouvir estrelas! Certo, 
Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido 
tem o que dizem, quando estão contigo? "
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas.

Olavo Bilac

O maior amor do mundo, cristalizado, perene, imortal

"À minha frente estão duas gavetas onde só guardo tesouros. Coisas de muito valor. Uma tem pacotinhos de supari, masala tea bags, caixas de incenso, sabonetes de açafrão e sândalo, um sari lindo, rendado, fiadas de flores de jasmim já secas e esboroadas e ainda um cd de Ravi Shankar. Um cd que quando toca, solta um som tão mágico e envolvente como só uma cítara pode ter. Um dia, eu hei-de morrer e a Índia, continuará a ser a Índia. Com ou sem dejetos e cadáveres que boiam indiferentes ao choque dos turistas, o Ganges e o Yamuna, continuarão a ser os rios onde já molhei os meus pés.
Na outra gaveta tenho postais ilustrados, fotografias que eternizaram momentos irrepetíveis, e alguns textos que fui escrevendo, inspirada pelas paisagens e pessoas que emprestam a alma àqueles lugares. Ainda hoje guardo tudo com a convicção de que se a minha casa sofresse um incêndio, seriam estes pequenos (grandes) tesouros que eu tentaria salvar a todo o custo. Quando tenho saudades da Índia, enfio o nariz na gaveta e deixo-me inundar pelos cheiros dos mercados enquanto a cítara de Ravi Shankar enche a casa. Quando é a nostalgia de lugares tão belos e indiscritíveis, preciso de olhar as fotografias. Afronto-as para me relembrar dos pormenores. Vejo os minaretes em Istambul e ouço-os verter para fora as vozes afinadas dos muezins. Vejo a Via Dolorosa impregnada de peregrinos que se misturam com muçulmanos e judeus, aytolas e rabinos, crentes e ateus. É assim Jerusalém. Um enorme templo de onde os vendilhões nunca saíram. Vejo um aborígene de pele escamada pelo sol, que sopra um didgeridoo ecoando o som harmonioso pelo deserto australiano com as Olgas como pano de fundo. O cenário mágico das ilhas de Pazcuaro, as pirâmides de Tikal, as ruelas estreitas de Varanasi pontilhadas de santuários… E preciso das palavras. Quando lhes sinto a falta, leio nas frases que brotaram cruas dos meus silêncios, o maior amor do mundo, cristalizado, perene, imortal."

Ana kandsmar in A Guardiã- O Livro de Jade do Céu