Saturday, 25 January 2014

Fazer aos outros o que não gostamos que nos façam a nós: É da PRAXE!

Há uma lista imensa de coisas que não são toleráveis numa sociedade que se diz minimamente civilizada e desenvolvida. Entre muitas outras, vem-me assim à cabeça, conduzir com excesso de álcool, destruir propriedade alheia, defender e/ou praticar a violência doméstica e PRAXAR. Ontem, vinha no carro de Torres para Caldas, e ouvi, durante o percurso, um debate na Rádio Renascença sobre este ritual que marca o início da vida universitária para milhares de jovens. 
Sempre considerei as praxes tão perniciosas como qualquer outra forma de controlo e manipulação de uns sobre outros. Quase uma espécie de bullying consentido pelas vítimas e qualquer forma de bullying, deve ( a meu ver), não apenas ser combatido, mas exterminado, especialmente tratando-se deste bullying: praticado numa fase da vida juvenil, em que demonstrações de poder misturadas com violência gratuitas, não fazem qualquer sentido. 
Como tal, depois de ouvir os intervenientes deste debate na rádio, - entre eles o reitor da Universidade Católica- , afirmando que as praxes enquanto fomentadoras do bom enquadramento dos caloiros no novo meio escolar, devem continuar a existir, eu digo com toda a legitimidade que me assiste, que todas as praxes ,(nos moldes em que são feitas), deviam ser proibidas! Todas! Mesmo as mais inócuas, engraçadas, wathever, "consentidas" pelos caloiros. 
E se a minha opinião é esta porque tenho um filho a frequentar a universidade, e que, para meu alivio não aceitou ser praxado, - (graças a Deus), esteve-se “cagando” para a integração e boa harmonia entre ele e os colegas mais velhos- , também é verdade que penso desta maneira porque acredito que na verdade a maioria dos caloiros não "consente" nada, nem tão pouco lhes passa pela cabeça que o pode fazer. Os caloiros que muitas vezes aparecem nas grandes cidades para frequentar o ensino superior, são da província, (convém não esquecer) e para além de todo um novo meio escolar envolvente, deparam-se com uma nova cidade, distante do local onde deixaram familiares e amigos e sentem-se por isso, perdidos, de parte nenhuma, completamente “estrangeiros”, nesta nova etapa das suas vidas. 
É perfeitamente normal que o maior desejo que têm, seja precisamente o de se sentirem integrados, enturmados, fazendo parte de um grupo de quem esperam posterior camaradagem e protecção. Obviamente que não quero com isto dizer que todos os praxados são uns totós, uns nerds, completamente xoninhas e sem um pingo de personalidade. Agora, também não duvido, que muitos destes miúdos sejam de facto tudo isso e muito mais. Não duvido que muitos entrem no ensino superior exactamente com a mesma postura que levaram do secundário: submissos, habituados a apanhar e bem treinados no exercício de “lamber botas”. 
Mas tudo isso é irrelevante. Como é irrelevante que quem sofre de incontinência use ou não fraldas. Quem é incontinente, mija-se e pronto. Estar lá a fralda ou não estar, não muda nada.
 Da mesma maneira, querer realmente ser praxado ou aceitar sê-lo para não ser excluído, não altera o facto de que vai sofrer do mesmo rito humilhante. 
As praxes deviam ser encaradas pela Lei como aquilo que geralmente são: um “protocolo de boas-vindas” perfeitamente dispensável, cujo único objectivo é mostrar quem manda, quem está no topo da hierarquia estudantil. Mais: a praxe é obviamente acarinhada por quem – sem sombra de dúvida-sofre de distúrbios que põe em causa o caracter de quem as pratica e reveladora de uma maldade e psicopatia facilmente comprovada pelas actividades humilhantes, traumatizantes e muitas vezes dolorosas que neste contexto se vão aceitando e até aplaudindo. Nada mais estúpido. E triste. Nada mais triste do que, ansiando pela aceitação e sensação de pertença a um grupo, se entregue de bandeja, a dignidade, decência e até mais importante, a segurança psicológica e física. A recepção aos caloiros, quando feita dentro dos parâmetros normais, decorre, ou deve decorrer com algum tempo dedicado à integração, tempo esse que até pode incluir algumas brincadeiras, desde que elas não firam o senso comum que marca limites óbvios à falta de respeito, manifeste-se ele em forma de praxe ou outra qualquer.
O Código Penal é muito claro nesta matéria, quando rotula de crime este tipo de actividade. É infelizmente menos claro, quando tem lacunas graves quanto à sua aplicação. E a razão é simples. Nestes casos é praticamente impossível punir os responsáveis pelas praxes devido ao “consentimento” dos praxados. 
Enquanto isto, ignora-se que consentimento aqui é utopia, se tivermos em conta que, para a maioria dos caloiros há coerção, coacção, chantagem e sei lá mais o quê. Claro que há outras causas que levam alguém a ser praxado: Baixa auto-estima,falta de “tomatinhos no sítio” para dizer NÃO, inconsciência ou até mesmo ingenuidade. 
E é por tudo isto que, mais importante que legislar sobre o sexo dos anjos, como comummente se faz neste país, devia legislar-se sobre as praxes, limitar os parâmetros em que elas podem ser feitas, determinar inequivocamente essa questão do consentimento e responsabilizar as universidades pelas mesmas, quer elas se façam no próprio espaço ou fora dele. 
Que ao menos se aproveite a tragédia do Meco para criar, quiçá, uma task force que inclua polícia, MP, psicólogos e o caralhinho mais que for preciso, para, não só acagaçar quem tem prazer em acagaçar os outros, como também garantir o conhecimento da nova lei por parte das bestas e das suas potenciais vítimas, e consequente entrega dessas mesmas bestas à Justiça. 
Ontem depois do tal debate, fiquei porém com uma certeza: Toda esta questão que envolve as praxes vai acabar por morrer na praia. No que toca às 6 mortes do meco, cada um dos intervenientes diz, contradiz-se, cala-se e, basicamente faz o que quer para safar o coiro. A verdade do que aconteceu tornar-se-á secundária. 
Os pais dos miúdos, quebrados pela dor, vão acabar por ceder, ou tornar-se numa espécie de "mães do rui pedro", de quem todos têm pena mas cuja fé não partilham. 
E se nem a morte destes jovens (os do meco e outros que perderam a vida em consequência das praxes), nos faz mudar o que deve ser mudado, então, não há porque nos queixarmos que os jovens de hoje não têm limites, nem tão pouco haverá formação superior que valha a pena. 
O DR só é meritório e digno de respeito, se o nome que lhe sucede for o do baptismo e por este andar, os consultórios, gabinetes e outras salas de trabalho dos doutores do futuro, terão nas respectivas portas, placas que a mim (pessoalmente), não inspiram confiança. Sejam eles, Dr. Jaime Besta, Dr. Paulo Pulha, ou Dr.João Assassino.