Wednesday 12 October 2016

Sou de (uma) Direita muito torta.

Espantam-se alguns amigos com a petição agora a circular para que se ponham os olhos nos milhares de trabalhadores precários em Portugal. 
Espantam-se sobretudo aqueles que me conhecem bem e sabem que ando a anos-luz da estabilidade profissional (isso é o quê mesmo?) e que também ideologicamente defendo muitas vezes aquilo que parece a muitos, só defensável por partidos de Direita. Todavia, há que dize-lo, Direitas há muitas, e a minha é definitivamente uma Direita torta. Ou se quiserem, de uma Direita que também se revê em apêndices de Esquerda, se é que se pode dizer que essa Direita existe. 
Talvez seja afinal uma coisa muito minha olhar com desconfiança para multiculturalismos e abominar capitalismos, aplaudir a soberania dos Estados e invocar a cooperação entre eles, ter horror a touradas e condenar a IVG. 
Acho que mais do que ideologias politicas e partidárias, sou uma idealista pela Humanidade. Entendo que o Bem Comum se sobrepõe ao Bem Individual e contra-senso ou não, parece-me que é impossível ao Bem Comum existir se não passar primeiro pelo Bem Individual. Sigo a premissa de que indivíduos felizes fazem comunidades felizes. Comunidades felizes fazem nações felizes e nações felizes…bem, parece-me óbvio, fazem o mundo feliz.
 E já estão vocês a pensar que isso é utópico e para além do mais seria uma profunda chatice. Lá vêm os defensores da evolução pela dor, dizer que o sofrimento faz parte, e que, é com sangue, suor e lágrimas que nos fazemos à vida. A ideia, deixem-me que vos diga, não sendo descabida de todo está a ser muito bem aproveitada por quem de sangue, suor e lágrimas percebe népia. Esses são os que mais do que qualquer um de nós estão no topo da cadeia alimentar. Comem-nos a carne, sugam-nos o sangue e roem-nos os ossos. Até que de nós nada reste. 
Sem darmos conta, antes ainda da carne, consomem-nos a humanidade. O que faz de nós pessoas. Humanos. E ser humano é ter aquela coisa que formiga dentro da nossa alma e nos faz arredar os olhos do nosso prato meio vazio para o prato vazio do outro. Isso é a nossa chama. Caso não se tenham dado conta ainda, saibam que esses, no topo da cadeia alimentar, estão a apagá-la. 
Quando no início do Séc.XX se instituiu a Carta dos Direitos Humanos, foi precisamente, para que essa chama nunca se apagasse. Infelizmente, hoje ela tem o vigor da tímida chama de uma vela. Quando aceitamos que se perpetue o velho mercantilismo da vida, apagamo-la. 
Quando inventamos novas formas de a mercantilizar apagamo-la. 
Quando nos vergamos à indignidade, apagamo-la. 
Quando nos tornamos insensíveis à dor alheia, apagamo-la. 
Quando usamos e descartamos o outro, apagamo-la. 
E assim vamos, de apagão em apagão, sempre soprando numa luz cada vez mais ténue, até que ela se extinga.
Vamos a factos. Em Portugal, o número de nascimentos foi, em 2007 e a partir de 2009, sempre inferior ao número de óbitos. Desde 1960 que tal nunca tinha acontecido.
Apesar de em 2015 terem nascido mais 3 133 crianças que em 2014, a diferença entre o total de nascimentos e de óbitos correspondeu a -22 423, mantendo-se assim o saldo natural ininterruptamente negativo que se tem verificado ao longo dos últimos oito anos. 
Somos portanto mais do que um país de velhos. Somos um país de moribundos. E os que pelo meio, se encontram na idade activa são fodidos e mal pagos.
Contribui para isto a precariedade laboral. Criar famílias não se coaduna com incertezas, inseguranças e vidas no fio da navalha. 
Somos a base da pirâmide. Somos os consumidores que colocam a economia em movimento. Consumir, não se coaduna com incertezas, inseguranças e vidas no fio da navalha. 
Somos os migrantes. Procuramos fora da terra que nos pertence, o que em condições dignas, a nossa terra devia oferecer. Somos os que abandonam os seus idosos nos depósitos a que chamamos lares. Estar perto dos nossos ou termos condições para lhes aprouver as necessidades não se coaduna com incertezas, inseguranças e vidas no fio da navalha.
Em suma, longe dos capitalismos que só olham aos números, almejar um Estado Social que se encarregue verdadeiramente de dar a mão a quem já não tem força para levantar-se e impedir que continuemos a escalar perigosamente a montanha de desigualdades que começam na legislação laboral é também uma forma de impedir que a chama de humanidade que ainda brilha dentro de cada um de nós, nunca se apague. 
É só por isto a petição que nos pede um novo olhar sobre o trabalho precário. E ele há em tantas formas e sobre tantos disfarces. 
Somos a base da pirâmide. A carne para canhão. A melhor definição para descartável. Mas somos também a força que leva o país em braços para que outros possam descansar nos seus andores dourados. 
E essa força não se coaduna com incertezas, inseguranças e vidas no fio da navalha.

Para assinar  a petição : Aqui