Lembro-me bem do caminho que fazíamos a pé para casa da Tia Júlia.
Atravessávamos a estrada macadame, metíamos por um atalho térreo, lamacento no inverno e empoeirado no verão. A avó guiava-nos através dos trilhos, andava em passos pequeninos para nos acompanhar, deixava-nos descansar à sombra das oliveiras. Subíamos a encosta ladeada de figueiras, comíamos os figos quando maduros, apanhávamos nêsperas ainda verdes, tão azedas que nos deixavam a língua áspera como a de um gato.
Cantarolávamos canções populares e seguíamos saltitantes até ao cruzamento de alcatrão. Dali ao casario era uma descida de poucos metros. De um lado e do outro, vinhas. Que barrigada de morangueira nos espreitava dos muros!
Ao lado do curral da burra que me suportava nas longas caminhadas, um pirliteiro de ramos espinhosos. Exibia lindos cachos de pirlitos nacarados, qual romãs mal acabadas de nascer. Apanhava uns quantos até encher os bolsos depois de prometer à avó que não os enfiava no nariz. Todavia, mantida a promessa quanto aos pirlitos, no inverno vingava-me de todas as juras a contragosto. As veredas contíguas ao curral da burra, profícuas em frutos vermelhos, apaziguavam-me a gula com as amoras nos dias de suão, e em Dezembro, enquanto apanhávamos o musgo para o presépio, brindavam-me com o azevinho com que entupia as narinas.
As bagas pequeninas, fazendo lembrar tomates anões, eram-me retiradas pacientemente pela mãe. Enquanto os primos esfuziantes abriam os presentes, eu pranteava com uma pinça enfiada no nariz. Não fossem os açoites mesmo antes da Missa do Galo, e as pústulas nas fossas nasais logo no dia a seguir, e os meus natais teriam sido perfeitos.