Tuesday, 31 January 2017

Os Murros e os Muros

Somos maus por sermos bons ou somos bons por sermos maus?

Podíamos ter aprendido alguma coisa com séculos de divisão religiosa, racial e étnica. Não aprendemos. Não há sinais de que 2017 venha a ser um ano melhor do que os que o precederam. A Europa continuará a escalar a montanha do autoritarismo liberal e a guerra contra o terror acabará por converter-se numa guerra de extermínio. E a ver bem, tudo isto acontece porque nos tornámos outra vez, adeptos do niilismo. Niilismo em todas as frentes, diga-se. Moral, ético, existencial, político. Diga-se também que do niilismo à anarquia não vai nenhum passo. Se as sociedades actuais não acreditam em nada, não respeitam nada e exigem total liberdade para tudo e para todos, é porque estão decadentes. Mas isso, todos sabemos, e não é preciso ser especialista em coisa alguma para o perceber. "Um niilista é um homem que não se curva ante qualquer autoridade; nem aceita nenhum princípio, qualquer que seja o respeito que esse princípio envolva". Era assim no tempo de Turguêniev quando escreveu a obra "Pais e Filhos", e continua a ser assim, hoje.
Não aprendemos nada com o alastramento das desigualdades e embora séculos de história nos mostrem que elas trazem ao colo conflitos sociais, continuamos a dissemina-la. Os que ainda nos manipulam, entretanto conscientes da extensão do mal que produzem, vão receando a revolta das marionetas. E diz-se por aí, constroem bunkers, ora para se protegerem de um cataclismo, de uma guerra nuclear, ou, cada vez maior a hipótese, da rebelião dos mais pobres. Há muitas formas de morrer. Talvez um bunker evite algumas. Não evitará certamente a lei da vida. Morre-se de qualquer maneira.
Mas é pena que tenhamos chegado aqui. Enquanto escrevo isto, sinto um pouco do que terá sido a tristeza de Anne Frank ao chegar ali. Ao momento terrível em que já não se pode fazer vista grossa ao conflito, ao ódio e ao temor de perder a vida. E fico ainda mais triste porque sei que os próximos anos, talvez mais 10, 15, serão anos de profundas atribulações e todos eles depois de 2017 serão ainda piores que durante. Deixaremos para os nossos filhos, que aprenderam connosco a intrepidez do niilismo, a necessidade de o repudiarem, às pressas, para então recuperarem o que foi perdido às nossas mãos. Usarão como armas várias paixões mortais: racismo, ultranacionalismo, sexismo, rivalidades étnicas e religiosas, xenofobia, e homofobia. Estamos então à beira de uma guerra onde o mal combate o mal. E logo nós que temos sempre em mente as guerras entre o mal e o bem, hoje, como podemos observar, tudo mentira. É sempre o mal que combate o mal. Deve ser porque somos afinal humanos e todos os humanos são maus. Ou quase todos. Talvez que o bem se silencie nesta coisa dos conflitos. O bem nunca se quer envolver. E como dizia Mandela, “ Para que o mal vença, basta que os bons não façam nada.”
O apartheid, sob diversas modulações, será restaurado graças aos novos impulsos separatistas. Construiremos mais muros. Controlaremos mais fronteiras com policiamentos que não se farão rogados a premir gatilhos e as alianças cada vez mais frágeis acabarão por ruir como castelos de cartas. O mundo tal como era desde o final da Segunda Guerra Mundial, acabou. Sofremos mudanças com a Guerra Fria e a derrota do comunismo, sofremos mudanças com as descolonizações, mas se mantínhamos o mundo respirável era porque ainda queríamos muito acreditar. As democracias entretanto instauradas, a queda do muro de Berlim, tudo isso ainda nos fazia acreditar…. De lá para cá demos um salto gigantesco no vazio. Deixámo-nos de efabulações. Tornámo-nos outra vez niilistas e o mundo tornou-se irrespirável.
O Hunger Games que conhecemos do cinema é uma analogia bem construída daquilo que é afinal a nossa realidade. Começou logo no princípio do século com o choque entre a democracia e o capitalismo. A democracia liberal e o capitalismo neoliberal digladiam-se pelo primeiro lugar no pódio. Os governos economicistas e o povo digladiam-se pelo primeiro lugar no pódio. O Humanismo perdeu, creio que definitivamente, o primeiro lugar no pódio. 
Os desejos humanos colocaram a tecnologia num pedestal sagrado e o capitalismo venceu o humanismo nesse processo.
Se há um demónio a culpar por tudo o que já foi feito até aqui, esse demónio chama-se capitalismo. Foi ele que tornou mais profundo o fosso entre ricos e pobres, foi ele que devastou o Médio Oriente, é também ele que muito mais do que qualquer guerra, multiplica refugiados, pois, como alguns já se terão dado conta, mais do que em busca da paz, eles saem em busca daquilo que só o dinheiro pode comprar. E eis que chegámos aqui.
Nos anos 70, e ainda nalguns que se lhe seguiram, os miúdos brincavam na rua. Tudo corria bem até ao momento em que as brincadeiras deixavam de ser pacíficas. Nessa altura, os nossos pais mal nos viam envolvidos em brigas, pegavam-nos pelos braços e obrigavam cada um a seguir para sua casa. Acabava ali a discórdia. Cada um em sua casa. Embora as minhas memórias de infância sejam mal comparadas com o que se vai passando pelo mundo, sinto que é preciso haver “pais” que nos puxem pelo braço e nos obriguem a cada um, a ficar na sua própria casa. Recordo-me que o meu pai, perante a minha insistência em voltar à rua, dava um murro na mesa e dizia “Basta! Cada um no seu canto!” É preciso agora, perante esta guerra entre culturas, entre muçulmanos e cristãos, árabes e ocidentais, que alguém dê o murro na mesa e diga “Basta! Cada um no seu canto!” Trump está a dar esse murro na mesa e as medidas de controlo de fronteiras mais não são que a tal advertência: “Basta! Cada um na sua casa!” Os murros e os muros, serão cada vez mais. Mas agora, há que dizê-lo: Fazem parte da paisagem. 

Wednesday, 25 January 2017

Silêncio

Nesta peregrinação de dúvidas e torturas, Silêncio recupera um passado português quase esquecido. Nem sempre a árvore da fé consegue ramificar.

Foto de Ana Kandsmar.
Espero que não se imponham limites ao número de estrelas a dar a Andrew Garfield. Ou a Martin Scorsese. “Silêncio” é muito provavelmente a primeira maravilha da 7ª Arte em 2017. 
Saio do cinema com a alma partida. Sempre me interessei por estas incursões religiosas.
O que é que um homem é capaz de fazer por um Deus invisível? Matar e deixar-se morrer? Certamente. Ou pelo menos, no que à cristandade diz respeito já foi assim em tempos. 
Não deixam saudades, esses tempos. Mas o que se pode tirar do filme de Scorsese é muito mais do que uma cegueira religiosa. Subsistem em toda a película, dois momentos distintos: a fé e a dúvida. 
Para muitos católicos terá ganho a dúvida, pois, a história centra-se nos apóstatas Ferreira e Rodrigues. Quanto a mim, que não sou católica, ganhou a Fé. Um e outro, especialmente, Rodrigues, continuaram a acreditar e morreram a acreditar. 
Aparece-nos ainda Kichijiro, o homem moderno do séc. XVII. O homem que quer ser salvo de todas as formas em que é possível ser-se salvo. No corpo e no espírito. Não quer perder a Terra e ainda assim ganhar o céu. Tal como todos nós, sobreviventes do Sec.XXI, que queremos a salvação de tudo o que nos for possível salvar, Kichijiro também quer todas as salvações. 
Reparem em quantas vezes trai a si mesmo e quer confessá-lo. Julga-se obviamente um traidor de Deus, da fé que diz sentir, mas trai-se apenas a si próprio, de cada vez que permite que outros o verguem ao medo de seguir o seu próprio caminho. 
Não consigo deixar de pensar que temos todos, uns mais do que outros- e queira Deus que eu seja uma das que menos- um pouco de Kichijiro. Vejo por aí gente de convicções tão fracas que por muito menos, pisariam sem hesitações os seus próprios pulmões, quanto mais uma imagem de Cristo. Esmagá-los-iam sem pestanejar, até ao sufoco. 
E é por isto que chego a admirar a frieza nipónica. A frieza que é cínica e amável como só a frieza consegue ser. Se Inoue (o inquisidor) fosse um homem apaixonado, teria sido forçosamente cruel. Assim, não o foi. Permitiu a Kichijiro enganar-se a si próprio de todas as vezes que foi confrontado com a sua essência, a profundidade dos seus pensamentos, e eis que sendo a profundidade rasa, escolheu agradar ao seu carrasco, para mais uma vez pedir perdão a si próprio. 
Vejo isto todos os dias. Nas conversas de café, nos murais do Facebook, nos gabinetes dos legisladores, no palanque dos governantes. Que os Kichijiros deste mundo, possam também enganar-se e traír-se. Possam também procurar a absolvição. 
Não a encontrarão, como Kichijiro não encontrou.

Thursday, 19 January 2017

“We did a lot of shit.”




Foto de Ana Kandsmar.

Li algures que este homem poderia ter dizimado a humanidade com uma bomba atómica, e ainda assim, seria glorificado pelos média, e por arrasto, por toda a população que se satisfaz com o que lê e ouve nas notícias. Há muita gente que se satisfaz com o que lê e ouve nas notícias. E é por isso incrível, a quantidade de gente não pensante que se deixa manipular pela propaganda da Reuters que já vem filtrada pelas várias agências de inteligência, nomeadamente a CIA, e da qual são subscritores os mais variados meios de comunicação do mundo, incluindo a CNN. 
A América beneficiou imenso com a Segunda Guerra Mundial, que arruinou os seus principais oponentes (a Europa, a União Soviética, a China e o Japão). Granjeou condições de exercer a sua hegemonia económica, tanto mais que metade da produção industrial global estava concentrada em meia centena de Estados. Talvez seja por causa da sobrepopulação. Quanto mais gente, mais escassez, e isso, não há como negar, mas também pode ser apenas a ganância que os mobiliza. O controlo de tudo nas mãos de meia dúzia é muito bom, sobretudo para a meia dúzia. 
Seja como for, lá que parece haver uma agenda para nos infernizarem a vida, parece. 
Portanto, vamos aos anjos. Nada melhor do que se colocar nos boletins de voto uma cara simpática que personifique (neste caso) o sonho americano. Tal como Martin Luther King defendeu naquele seu famoso discurso durante a Marcha de Washington em 63. “ Eu tenho um sonho que as minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver numa nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu carácter.” A América chegou lá e ainda bem, só é pena que tenha chegado apenas a meio sonho cumprido. O sonho de King devia ter-se realizado também na parte em que as pessoas são julgadas pelo seu carácter. Obama, consolidou o Black Power nas terras do tio Sam e a lufada de ar que levou aos americanos (e ao mundo), foi tão fresca, que nos deixámos ludibriar pelo seu carisma. Não digo que Obama seja um mau homem. Parece-me que não é, de todo. Mas para o nosso mal, foi um excelente fantoche. Só as imagens da família perfeita, as fofices entre Obama e Michelle, ele quase um cavalheiro inglês, ela, a perfeita grande mulher por trás do grande homem, o cão d’água português a correr feliz pelos corredores da Casa Branca, é que nos turvaram a visão. A nós e à Academia que lhe atribuiu o Nobel da Paz. Obama mereceu-o tanto quanto Hitler ou Estaline. Milhares de mortos em todo o Médio Oriente, não lhe dão propriamente o móbil para a atribuição de tão importante louvor. Lembro-me do famoso caso dos drones. Mas há mais. Vejamos: O financiamento do Estado Islâmico e a farsa em torno do esforço para combater o terrorismo. A colocação de fantoches no lugar de governos estáveis e respeitados no Médio Oriente. A América trucidou a Síria e levou o mundo inteiro a crer que os vilões nesta história bebiam vodka e usavam ushanka. Culminamos com a campanha difamatória de que a Russia terá usado hackers para manipular os resultados eleitorais que deram a vitória a Trump e a expulsão dos seus diplomatas. Tudo a bem da mentira. Em matéria de politica internacional, Obama colou o mundo ao movimento derradeiro do DoomsdayClock. Deu combustível às “revoluções de veludo” no leste europeu e financiou a horda fascista na Ucrânia. Desafiou a paciência de Putin. Mas, Obama não foi apenas um mau presidente para fora, foi-o também para dentro. Wall Street manteve-se incólume mesmo após a sua promessa de lhe cortar os tentáculos de polvo, e ao invés disso, favoreceu a banca e deu um novo fôlego ao capital. O programa ObamaCare revelou-se um desastre. Eis que após o primeiro mandato, o reformador e moralista do “Yes we can”, passou a sê-lo do “Yes we Did”, e completo: “We did a lot of shit.” 
A América é um país que pela sua importância não pode continuar a resvalar para o abismo. Porque quando cair, não cairá sozinha. Levará com ela um planeta inteiro. Relembremos erros do passado que nos custaram caro: O golpe fascista de 1973 no Chile, a intervenção militar no Panamá,Honduras e Paraguai. A invasão e destruição da Líbia e finalmente a intervenção criminosa no Iraque que constituiu a bola de neve que nos empurrou até aqui. 
Por tudo isto, Obama vai amanhã e já vai tarde. Não sei que tipo de presidente será Trump e desconfio que o tão afamado establishment do qual Obama faz parte não o deixará aquecer o lugar, mas espero que este “let’s make America great again”, aconteça e se transforme num Let’s Make The World Great Again. Com Trump ou qualquer outro. Não sou só eu que agradeço. É o mundo inteiro que agradece.

Tuesday, 3 January 2017

Imortais

"Somos imortais mas temos que morrer primeiro."

Ana Kandsmar in " O Livro de Jade do Céu."


Sunday, 1 January 2017

Bem-Vindo 2017!

Foto de Ana Kandsmar.

Que sejas tu, o Novo Ano, portador do fim do globalismo. Não de um globalismo que una, sendo que essa é a primeira ideia que lhe associamos, mas deste globalismo que destrói nações, arrasa as suas economias e identidade cultural. Que devolvas a soberania a cada povo, a sua autonomia com tudo o que lhe é adjacente, incluindo uma moeda própria. Que as parcerias sejam de facto parcerias, com base no respeito e aceitação das diferenças ao contrário da pretensão que nos tem acompanhado nos últimos anos: A ditadura da igualdade. Que sejamos capazes de caminhar lado a lado, sem a tirania das submissões. Que tu 2017, nos tragas a coragem necessária para que recusemos os totalitarismos das forças externas que oprimem povos inteiros. Que sejas um novo ano criador da força indutora da verdadeira democracia.
Desejo que finalmente tu, 2017, mostres aos que gritam que querem salvar o planeta o quão importante é hesitar mais antes de comprar o par de sapatos que vem da China, passa pela Holanda e só depois chega a Portugal, ainda assim vendido a preço de tuta-e-meia. Que se perceba que o que é muito barato para nós, provavelmente será muito caro a alguém. Que sejas o ano em que não fechamos os olhos à dor do outro.
Que não continuemos a destruir o planeta mil vezes mais cada dia por um novo gadget ou uma porra de um creme para o rosto. Que se olhe também por isto, para os que partilham o planeta connosco. Há mais vida na Terra que não é humana do que aquela que o é. Haja respeito! Não se salva o planeta com medidas patéticas e hipócritas. Haja consciência!

Os últimos anos têm sido uma âncora para a nova consciência de Unidade. Que não se confunda Unidade com falsa união. Os que defendem o individualismo dos cidadãos transformados em nómadas, os que defendem o espirito de cidadão do mundo, o cidadão que perde raízes, que não tem pertença e que erra por aqui e por ali consoante as necessidades dos mercados e do comércio livre, esquecem-se de que não estão a tornar-se unos, integrantes de qualquer coisa, mas ao contrário, apartados de tudo, isolados, e por consequência, cada vez mais egoístas e perdidos. Que os que defendem a migração percebam que migrar quase nunca é consequência de escolha, e que quase sempre se migra por necessidade. Que 99% dos migrantes prefeririam continuar a viver nos seus países de origem e que, se não se deve impedir a livre circulação de pessoas, é exigível que se criem condições para que seja possível a cada um escolher Ficar. 
Por anos acreditámos no poder da liberdade individual. O “ Eu Quero e Posso” tornou-nos reféns de uma selva de onde ninguém se salva sem sacrificar o outro. Esquecemo-nos de que mesmo na selva onde vivem os animais selvagens e inferiores, existem códigos de conduta e ética. Abre-nos os olhos para a necessidade de mudarmos no sentido da evolução e não do seu inverso. O homem não vem à Terra há milhares de anos para, chegado aqui, ter-se convertido num consumidor emburrecido e apenas isto.
2017, espero que nos mostres a diferença entre pertença/ identidade e xenofobia/racismo. E ensina a quem prega o seu contrário que defender a primeira não é praticar a segunda. Traz finalmente a paz para quem vive sobre a ameaça das armas. A paz para o Médio Oriente. A cada país a recuperação do que é seu e a coragem para lutar pela prosperidade a que tem direito. Que o empobrecimento dos povos, o desemprego, a precariedade, a corrupção, os lobbies, a insegurança, a decadência e o medo, sobretudo o Medo, tenhas deixado lá atrás, entregues a 2016.
Sejamos todos mais felizes contigo, 2017.