Tuesday, 15 April 2014

Não há tempo para perder tempo...

Nada nos muda mais e melhor do que os anos. 4 ou 5 vezes as mãos cheias de anos, são uma metamorfose implacável, intransigente e irrecusável. Não há quem não se reformule, endureça e mude definitivamente as lentes com que olha o mundo à sua volta. 
Hoje, depois de em cada dedo eu contar um ano e multiplicá-los aos 10 por 4, as minhas mãos cheias de vivências estão mais hábeis mas também mais ásperas. E quem pode censurar? 
Quem pode dizer com total honestidade que nas curvas da vida nunca derrapou, nunca embateu numa árvore, num muro, nunca capotou e perdeu a esperança de que a meio da noite, num local inóspito e isolado ninguém aparecesse para o salvar? Ou que as forças lhe falhassem para procurar ajuda? São esses momentos que nos tornam mais solitários, às vezes orgulhosamente solitários e convictos de que tantos embates serviram ao menos para nos ajudar a seguir em frente sem outra mão a guiar-nos os passos. 
O tempo muda-nos. Reveste-nos com uma pelicula de arrogância, quer queiramos quer não. Não porque deixemos de ser humildes, mas porque aprendemos a adaptar a nossa humildade às circunstâncias. 
Acabamos por perceber que quem se afasta de nós há 3, 2 ou mesmo 1 década atrás, não poderá em boa verdade reconhecer-nos quando se dá um reencontro. Talvez as feições traiam as nossas mudanças interiores e nos denunciem a pessoa que sempre fomos. Mas basta que nos falem, 5 ou dez minutos, não mais que isso, e serão óbvias as diferenças. 
Já não dizemos que estamos bem quando não estamos, mas também já não somos ingénuos ao ponto de pensar que a pergunta exige uma resposta. 
Morre-nos um pouco, todos os dias, a paciência para coisas que antes nos passavam ao lado e somos surpreendidos com a nossa capacidade de seleccionar o que vale ou não a pena deixar passar ao lado. Já não temos tempo a perder com o que nos desagrada ou fere. 
Sabemos reconhecer o cinismo venha ele de onde vier e sabemos também lidar com ele nem que para isso seja necessário reagirmos como um espelho. 
Já não nos melindramos com críticas nem nos deixamos bajular com elogios. 
O tempo mata-nos muita coisa. E não damos pela sua morte até ao momento em que nos sentimos capazes de desistir do que não nos faz bem. E isso, o tempo também nos ensina. 
Nem sempre desistir é mau. Nem sempre é sinal de fraqueza, de cobardia e muito menos de fracasso. É tantas vezes o contrário. 
Morre-nos com o passar dos dias, também a vontade de agradar a quem na verdade não agradamos, de amar quem não nos ama. 
Os dias que passam por nós, na verdade não passam. Esperam que nós passemos por eles. E vão-nos contando muitos segredos. E quando menos esperamos já eles nos confidenciaram que não vale a pena tentarmos retê-los, seja para o que for, porque seja qual for a nossa vontade, eles só fazem o que querem e ensinam-nos a fazer o mesmo. A fazermos o que queremos, a irmos para onde e com quem queremos. 
Deixamos de aceitar jogos, manipulações e mentiras. Ambas as mãos repletas de anos trazem-nos trilhos que sulcam a nossa pele, mas são esses trilhos as marcas de aprendizados que quem se atreve a ignorar recusa a sua própria história. 
Nada que os anos ensinam é tão importante como a visão exacta da importância. 
Da importância das pessoas com quem convivemos, da importância das coisas que nos são ditas, da importância das coisas que por nós são feitas, da importância do que somos. 
Num dia, ou numa noite em que o tempo que já vivemos nos atravessa os sentidos e nos sustém as memórias, todos os relógios do mundo se unem numa conspiração atemorizante sobre nós mesmos e a nossa própria importância. A importância do que somos. 
E invariavelmente, acredito, a conclusão é sempre a de que somos tão mais importantes quanto o que amámos e fomos amados. E é isto. Ambas as mãos repletas de anos resumem-se a isto: A esta simplicidade, que de tão grande é ridícula. Não importa mais nada. 
O que temos, o que conquistámos o quanto nos realizámos. O que pode realmente mudar a nossa trajectória, o que pode genuinamente penetrar no nosso âmago e transformá-lo numa casca de noz à deriva, é descobrirmo-nos impedidos de amar e de sermos amados. 
Para os que são pais, serão eles, os filhos, os responsáveis por esse equilíbrio entre nós mesmos e o passar dos dias. Para os que são pais, são eles, os filhos, os transmissores de que passamos a depender para nos comunicarmos internamente.
 Para os que são pais, são eles, os filhos, a razão maior da nossa vida, do nosso amor, do nosso tempo. Perdendo um filho, não há apenas um ciclo que se fecha. 
Há um vórtice que se abate sobre nós e nos impulsiona para uma realidade paralela, onde tudo o que os nossos dias nos ensinaram ao longo de décadas da nossa existência perde o sentido e a razão. 
E o tempo, esse professor implacável, dá-nos senão a derradeira, a maior das lições: A de que, termos ao nosso lado quem nos ama e quem amamos é que o faz valer verdadeiramente a pena.