Sunday 28 April 2013

Mundo Imperfeito





Numa ‘March Against Child Labour’ em Nova Iorque, a repórter pergunta a uma criança que acompanha os pais: «Sabes porque é que estás aqui?». O miúdo respondeu: «Sei, é para protestar contra o trabalho infantil dos meninos que são obrigados a fazer Nikes no Vietname». A repórter insistiu: «Tens pena desses meninos?». A criança concordou: «Sim, acho que os meninos do Vietname também deviam poder jogar na Playstation e ver televisão, depois da natação.» 
Estima-se que no Mali, 55% das crianças entre os 10 e os 14 anos trabalhem. No Brasil serão mais de 15% e no Bangladesh cerca de 1/3. No Quénia são mais de 40%. Na China, cerca de 10%. Em todo o terceiro mundo a fotografia é a mesma, o trabalho infantil é não só uma triste realidade, como é, muitas vezes, a normalidade.
Milhões de crianças vietnamitas trabalham, nos arrozais, nas sweatshops, em fábricas de vão de escada que fornecem multinacionais e, principalmente, em casa. Serão os pais vietnamitas gente sem coração nem amor pelos filhos?

É fácil para um europeu do século XXI manifestar a sua indignação por estes números e exigir medidas para banir o trabalho infantil. Infelizmente não é possível acabar com o trabalho infantil gritando em manifestações ou publicando decretos-lei. A solução, a única solução, é o tempo. É esperar que os países mais pobres se desenvolvam, enriqueçam, e que os pais das futuras gerações consigam alimentar os seus filhos sem precisar de sacrificar a sua infância.

A ideia de que se podem castigar os países/empresas onde há trabalho infantil, através de embargos comerciais, essa sim, constitui um crime contra a pobreza. O miúdo do Vietname que passa a noite a coser bolas para a Nike, subcontratado por um qualquer subcontratado de um subcontratado da Nike, é invejado pelo filho do vizinho que trabalha 10 horas por dia nos arrozais ou nas minas e que também gostava mais de coser bolas em casa. Não só pagam melhor, como é uma bênção para os pais vietnamitas ter um filho a trabalhar em casa.
Se o ocidente decide impedir a importação de produtos vietnamitas por causa do trabalho infantil, está apenas a tirar os miúdos de casa e a mandá-los de volta para os arrozais. A alternativa nunca é a Playstation ou os Morangos com Açúcar. É apenas mais pobreza e mais trabalho.
É óbvio que devemos sensibilizar, lamentar e por vezes exigir. Mas não podemos impor a quem nada tem que morra à fome em nome do nosso bem-estar intelectual.
É disto que trata a reportagem da SIC. Das desigualdades que proliferam por esse mundo afora. Desigualdades que para uns são mais trágicas que para outros. Na Europa do Norte, ou melhor, na Dinamarca a grande preocupação é que as desigualdades diminuam entre si e a Finlândia. Os dinamarqueses querem chegar lá…ao nível de (im) perfeição dos finlandeses. Nós queremos quando muito equipararmo-nos aos franceses, já para não dizer, dos espanhóis. E o que dizer dos guineenses? Com toda a certeza que eles desejam as nossas “más” condições, a nossa taxa de desemprego, a nossa qualidade de ensino, o nosso sistema de saúde, etc. O mundo é mesmo isto. Imperfeito.
E um ocidental, não pode fazer nada para acabar com este drama? Pode. Para começar podemos enquanto cidadãos delegar nos nossos políticos a responsabilidade de tomar medidas de apoio aos países subdesenvolvidos. Como por exemplo exigir o levantamento de todas as barreiras alfandegárias que impedem os países mais pobres de iniciar a sua longa caminhada na senda do desenvolvimento. Pode ser solidário. Ser solidário também com o vizinho que mora ao lado, porque não é só na Guiné- Bissau que há dificuldades extremas. Nós por cá também temos muitas famílias que mal conseguem o sustento. E muito sinceramente, acho que esta reportagem deixou muito a desejar no que toca à realidade em que vive a maioria das famílias portuguesas. Como bem sabemos, casais com rendimentos mensais semelhantes ao que vimos na reportagem, ele engenheiro e ela professora e um nível de vida como o que foi mostrado continua a ser o sonho do mundo perfeito, para milhares de portugueses. O sonho…não a realidade. Como não há-de sê-lo para milhões de africanos?
Quanto à Dinamarca…bem, quanto à Dinamarca, sinceramente não me ocorre mais nada a não ser isto:
“Porque protestam estas pessoas?” - perguntou Maria Antonieta.*
“Têm fome. Pedem pão.” - respondeu o cocheiro.
“Se não têm pão, comam croissants.”


(Maria Antonieta, que se tornou rainha consorte de França em 1770 após o seu casamento com Luís XVI. O seu reinado de ostentação e desinteresse pelo povo, durou até à revolução francesa que teve inicio a 5 de Maio de 1789 e terminou a 9 de Novembro de 1799.)