Existe o dia da àrvore, o dia da rádio, da independência, de Camões, dos avós, do idoso, das crianças… das minorias. Mas,…das mulheres? Somos por acaso um grupo de risco, uma espécie em extinção, desprotegida, aos pés da humanidade? Somos? Não. Nós damos. Tanto! Damos vidas ao mundo, damos mundos à vida, damos honra e virgindade, corpo e coração… damos.
É isto que fazemos. Somos mulheres. Damos. Educamos, mimamos, compreendemos e amamos. De uma forma que só nós sabemos amar. É inteiro o amor que damos. Inesgotável. Do amor ao pão para que outros não tenham fome, damos tudo. Do tempo ao sono para que outros descansem, entregamos ainda os sonhos. E fechamo-los. Esquecemo-los naquele milímetro quadrado que é o coração. Alimentamos os vivos e lavamos os mortos. O nosso corpo alimenta. Nutre. Dá prazer. E pela vida fora carregamos essa premissa. A de não fugir de quem precisa de nós. Acreditamos. Temos o dom de acreditar na humanidade que parimos.
O primeiro amor que um homem conhece é o de uma mulher: O da mãe. Trazemos à luz da existência não apenas outras mulheres, mas também os homens. Aqueles que nos pisam, humilham, mal-tratam. E ainda assim abrimos as pernas para lhes mostrar a luz, abrimos os braços para lhes dar aconchego, e outra vez as pernas para lhes dar prazer. O coração, esse, trazemo-lo numa espécie de tombola mágica. Carregamo-lo sempre aberto sem nunca o abrirmos. O coração, trazemo-lo no peito, apertadinho, fechado a sete chaves para que nunca se perca cada homem que amámos, cada filho que nos traz a razão dos dias e o desassossego da vida enquanto um sopro dela nos atravessa o corpo. Guardamos. Tudo o que nos é precioso, guardamos, porque reconhecemos o valor das jóias raras. E o nosso coração é o cofre onde depositamos tudo o que nos tem valor, mas não tem preço. Somos tão especiais, nós, mulheres! Nascemos deusas, e como deusas caminhamos indiferentes aos rótulos e aos clichés.
Que nos chamem de putas ou santas tanto faz. Umas e outras não fazem senão dar. Damos. Até as nossas mãos que já dão,voltamos a dar para levantar, acariciar, acalmar. Conhecemo-nos, impressões digitais de alquimias primevas, o poder de transformar. E transformamos. Trazemos nas pontas dos dedos esse dom de tocar o céu e trazê-lo à terra, se assim o quisermos. E não o fazemos, porque estudamos ou somos profissionais competentes. Se aumentamos a nossa erudição, fazemo-lo tão somente para que não nos olhem apenas como a mulher do soldado ou do pescador que aguenta a solidão, a fome, a luta inteira sozinha.
Não é certamente para nos darem um dia no ano. Um dia em que nos dão flores, uma caixa de bombons e um sorriso de esmola: “Toma lá, hoje é o teu dia”. Todos os dias são nossos! Se todos os dias nós antevemos as dores dos outros e não temos medo de morrer para salvar, se todos os dias, damos por mal empregue o tempo em que dormimos porque é tempo em que não cuidamos, se todos os dias damos… damos com medo de pedir para que os outros não se melindrem…
Então, todos os dias são nossos.