Thursday, 26 March 2015


"Os homens não são todos iguais. Essa ilusão vai-se desfazendo com o tempo, de desilusão em desilusão, até que cada um assuma a sua real posição na escala hierárquica da vida. Os poderosos mandarão sempre naqueles que detêm menos poder, os quais, por sua vez, imporão a ordem a outros menos poderosos ainda, e assim sucessivamente até se chegar aos que não têm poder nenhum, no fundo da cadeia alimentar da sociedade. "

A Filha do PAPA - Luís Miguel Rocha


Até um dia, Luis :(



A 22 de Abril de 2013 eu entrevistava Luis Miguel Rocha. Não ficámos amigos próximos, não saímos juntos para jantares ou copos, não frequentámos a casa um do outro. Falávamos por aqui e raras vezes por telefone. Comentávamos livros e autores e outros temas que nos suscitavam igual interesse. Ele acompanhava a minha escrita e eu admirava profundamente a dele.Optimista por natureza, não permitiu à doença que hoje o levou deste mundo, interferir na sua vontade férrea de continuar a escrever.

Em Setembro de 2014, depois de ter terminado o meu livro, ganhei coragem e mandei-lho. Queria uma opinião de alguém neutro, que não gostasse assim tanto de mim a ponto de me afagar o ego, dizendo bem de algo que poderia não estar tão bem assim. Passou um mês e o Luis não dizia nada. Passaram dois meses e o Luis continuava remetido ao silêncio. Com mil receios da pior resposta possível, eu também fiz silêncio. No inicio de Dezembro, recebo um e-mail do Luis, dizendo " Eu quero prefaciar o teu livro". Fiquei tão feliz,tão radiante com a notícia e ao mesmo tempo ainda mal podendo acreditar nela. O Luis queria prefaciar o meu livro!


Hoje o Luis morreu. Depois de uma luta sem tréguas contra um cancro estúpido como o são todos os cancros, o Luis deixou-nos. O Luis deixou-me. E deixou-me um prefácio.
O livro que, como várias vezes me pediste " Tem calma, vais arranjar uma boa editora", há-de sair, Luis. E com ele o teu prefácio. Agora mais do que nunca, com um orgulho enorme que tenhas sido tu, a escrevê-lo. Descansa em paz e onde estiveres, inspira quem te quer seguir as pegadas.



Sunday, 8 March 2015

Há qualquer coisa de mágico, nestes Seres que conhecem tão bem o verbo Amar.




Existe o dia da àrvore, o dia da rádio, da independência, de Camões, dos avós, do idoso, das crianças… das minorias. Mas,…das mulheres? Somos por acaso um grupo de risco, uma espécie em extinção, desprotegida, aos pés da humanidade? Somos? Não. Nós damos. Tanto! Damos vidas ao mundo, damos mundos à vida, damos honra e virgindade, corpo e coração… damos. 
É isto que fazemos. Somos mulheres. Damos. Educamos, mimamos, compreendemos e amamos. De uma forma que só nós sabemos amar. É inteiro o amor que damos. Inesgotável. Do amor ao pão para que outros não tenham fome, damos tudo. Do tempo ao sono para que outros descansem, entregamos ainda os sonhos. E fechamo-los. Esquecemo-los naquele milímetro quadrado que é o coração. Alimentamos os vivos e lavamos os mortos. O nosso corpo alimenta. Nutre. Dá prazer. E pela vida fora carregamos essa premissa. A de não fugir de quem precisa de nós. Acreditamos. Temos o dom de acreditar na humanidade que parimos. 
O primeiro amor que um homem conhece é o de uma mulher: O da mãe. Trazemos à luz da existência não apenas outras mulheres, mas também os homens. Aqueles que nos pisam, humilham, mal-tratam. E ainda assim abrimos as pernas para lhes mostrar a luz, abrimos os braços para lhes dar aconchego, e outra vez as pernas para lhes dar prazer. O coração, esse, trazemo-lo numa espécie de tombola mágica. Carregamo-lo sempre aberto sem nunca o abrirmos. O coração, trazemo-lo no peito, apertadinho, fechado a sete chaves para que nunca se perca cada homem que amámos, cada filho que nos traz a razão dos dias e o desassossego da vida enquanto um sopro dela nos atravessa o corpo. Guardamos. Tudo o que nos é precioso, guardamos, porque reconhecemos o valor das jóias raras. E o nosso coração é o cofre onde depositamos tudo o que nos tem valor, mas não tem preço. Somos tão especiais, nós, mulheres! Nascemos deusas, e como deusas caminhamos indiferentes aos rótulos e aos clichés. 
Que nos chamem de putas ou santas tanto faz. Umas e outras não fazem senão dar. Damos. Até as nossas mãos que já dão,voltamos a dar para levantar, acariciar, acalmar. Conhecemo-nos, impressões digitais de alquimias primevas, o poder de transformar. E transformamos. Trazemos nas pontas dos dedos esse dom de tocar o céu e trazê-lo à terra, se assim o quisermos. E não o fazemos, porque estudamos ou somos profissionais competentes. Se aumentamos a nossa erudição, fazemo-lo tão somente para que não nos olhem apenas como a mulher do soldado ou do pescador que aguenta a solidão, a fome, a luta inteira sozinha. 
Não é certamente para nos darem um dia no ano. Um dia em que nos dão flores, uma caixa de bombons e um sorriso de esmola: “Toma lá, hoje é o teu dia”. Todos os dias são nossos! Se todos os dias nós antevemos as dores dos outros e não temos medo de morrer para salvar, se todos os dias, damos por mal empregue o tempo em que dormimos porque é tempo em que não cuidamos, se todos os dias damos… damos com medo de pedir para que os outros não se melindrem… 
Então, todos os dias são nossos.