A(na)tomicamente predisposta à mudança, ao risco, e isto é, em primeira, segunda ou última instância, Viver.
Primeiro que nada a queda. O salto sem pára-quedas no vazio, o embate doloroso na rocha nua, a dor, os rasgões, a alma a contorcer-se num oito. Depois, bem... depois há sempre uma brisa que me seca as lágrimas. Ressurjo do meu féretro, desenrolo-me como um bicho de contas que se abre e esperneia. Espeto o indicador a perceber a direcção do vento e sigo. Dorida. Sofrida. Mas avanço convicta de que ficar ali no meio da dor tem o seu tempo útil, e o tempo útil é apenas aquele que é usado para entendê-la, o tempo suficiente para dissecá-la, para esquartejá-la, esmiúça-la. No fundo, torná-la, não pequenina ou insignificante, mas transportável. Não há dor que não possa ser usada como um bom manual. Por isso, carrego sempre as minhas dores. Não ao alcance do meu coração, mas sempre na orla da minha mente. O aprendizado emerge delas e isso, apenas isso, dá significado a qualquer momento em que me sinto ruír, em que me sinto rasteira, derrotada. A dor acaba sempre por me ensinar quão bem vindo é cada minuto que eu tenha, algum dia, amaldiçoado.
Ana Kandsmar in Mar de Deus