Vender a alma ao diabo parece ser mais ou menos recorrente para a maioria das pessoas. Terei eu já vendido a minha algumas vezes, sobretudo quando em troca de um mísero salário aturo o que em condições menos adversas nem a troco de milhões aturaria. Mas vendê-la da forma abjecta como José António Saraiva o faz com este livro, que revela a intimidade de várias figuras públicas, é se calhar um sinal inequívoco de que este homem já não tem alma, sequer.
Mas não devemos culpar apenas o jornalista que muito provavelmente verá aqui uma excelente oportunidade para ganhar dinheiro. Afinal, o livro será um sucesso e ele sabe-o. Num país onde impera a venda de revistas cor-de-rosa e pasquins que relatam dramas de faca e alguidar, não se espera outra coisa.
A Maria que cumpre religiosamente o ritual da compra da Nova Gente e da Caras, entrará muito provavelmente, pela primeira vez numa livraria, para comprar o “ Eu e os Políticos”. Muitas “marias” deste Portugal o farão. Muitos “manueis” as imitarão.
O jornalista Saraiva engrandecerá o ego com o seu sucesso editorial, a Gradiva inchará a gaveta do lucro e milhares de portugueses ficarão mais pobres. Não pelo dinheiro que pagarão pelo livro, mas pelo que de mau ele representa.
Espantam-me aqui sobretudo duas coisas: Que as personalidades visadas permitam que a sua vida íntima seja explorada por terceiros com vista ao enriquecimento e mediatismo pessoal, e ainda, que um profissional que gozava de respeito e admiração entre os seus pares se permita a este mergulho na lama.
Só a Gradiva me parece agir da forma coerente que tem caracterizado a maioria das grandes editoras. Essa já não me desilude. Como outras, publica cada vez menos escritores e cada vez mais gente que garante vendas, ainda que mal saiba escrever uma linha ou não tenha de facto, nada para contar, ou melhor: para acrescentar.
Não há muito tempo, foi o apresentador de televisão Júlio Isidro, agora é o Saraiva. Tudo em nome das vendas. Culpa, claro das pessoas que deixaram de comprar escritores, e unicamente para alimentar a coscuvilhice, preferem levar para casa a roupa suja das caras conhecidas.
Há uma imagem que ilustra na perfeição este estado de negação em que se vive neste mundo. Se enfiados num poço fundo e escuro, que se lhes atire uma escada. A maioria preferirá parti-la para com ela fazer uma fogueira ao invés de usá-la para sair do poço e ver de novo a luz. Uma espécie de alegoria da caverna.
É isto. É triste mas é isto.