Para todas as mães deste mundo e arredores. Em especial para a minha. ♥
Da mãe, os filhos só vêem o que é mãe. Só conhecem a mãe. A mãe é sopa e o cheiro dos refogados. A mãe é a mão que esfrega as costas no banho, que escova o cabelo enriçado, que seca o cabelo molhado, a mão que afaga, que estraga. A boca que sopra a sopa, que sopra a ferida. Os filhos são os parasitas da mãe. Comem-lhe o coração que cresce da noite para o dia para que nunca lhes falte o pão-coração. O que é que a mãe quer? A mãe não quer nada. Quem tem mãe, tem tudo, diz a quadra, e quem é tudo não precisa de nada. Então, o que há-de querer a mãe? Não é dela o coração que nos alimenta, que bombeia o amor que nos entra nas veias, que nos corre na casa? E quem é que quereria a mãe? Se a mãe ainda quer, se a mãe ainda sonha, se a mãe ainda crê, perde tempo. A mãe tem dois filhos. Nós somos tudo o que a mãe pode querer, tudo o que a mãe está autorizada a querer. Quando respira, é mãe. Quando passa a roupa, é mãe. Quando come, é mãe. Quando aquece o prato solitário no micro-ondas, quando, à noite, vê televisão em silêncio, quando adormece sozinha na cama, quando na cama acorda sozinha, quando o corpo se move nos sonhos e não toca ninguém, quando toma banho e a água escorre pelos veios do corpo e só a água visita certas sombras de corpo, é sempre mãe e mãe e mãe. A mãe não pode dizer nada. Não pode dizer que está farta desta merda e que quer desistir, que está cansada de ter uma vagina e um útero que só existem nas consultas de ginecologia, que só existem para as dores, os miomas, as hemorragias. A mãe não pode sofrer por ela, porque mãe é mãe, só há uma, mater dolorosa, pietà de filho morto nos braços; e a piedade que ela merece? Os braços que hão-de segurá-la? Ontem, a mãe apaixonou-se e os filhos fizemos cara de nojo, apontámos os nossos dedos mimados ao coração da mãe, que é nosso, que diariamente o comemos. Quem nos dará o coração? Quem se alimenta da felicidade selvagem que a mãe descobriu? A mãe apaixonou-se e isso foi um erro e um erro é vida. Agora, a mãe pode voltar a sorrir por ela, a sofrer por ela, a comer o seu próprio coração. Mas nós, filhos-parasita, não queremos a mãe-canibal. O livro começa assim: “Ontem, a mãe morreu.” E prossegue: “Ontem, por fim, voltou a ser apenas uma mulher.”
(Bruno Vieira Amaral)