O Lucas não é meu filho, mas é como se fosse. Na verdade, o Lucas nem sequer é um ser humano. É um cão. Encontrei-o num apelo de uma associação protectora de animais e a foto exposta nas redes sociais mostrava um animal triste, solitário e carente. O meu coração foi tocado. E eu soube que tinha que fazer alguma coisa. Mais, soube que o Lucas andava à minha procura, ou eu à procura dele, embora naquela altura, nem me passasse pela cabeça ter um cão em casa. Mas apaixonei-me. Fazer o quê? Quando dei por mim, já estava a ligar para a tal associação, não para dizer que queria ver o Lucas, mas que queria ficar com o Lucas. Não podia deixá-lo no canil por mais um dia que fosse e no imediato, lá fui eu buscá-lo. Foi uma das melhores decisões que alguma vez tomei.
Hoje, o Lucas já está há dois anos comigo e a minha vida nunca mais foi a mesma. Deu um salto qualitativo e quantitativo também, se quisermos mencionar a dose de amor que recebo todos os dias.
O Lucas faz-me rir quando tenho vontade de chorar e desafia-me constantemente para brincadeiras que eu me lembro de ter apenas na minha infância ou na infância dos meus filhos. Ter esta criaturinha ternurenta e feliz em casa desperta a minha criança interior e dou por mim a brincar com uma bola, a adormecer depois de uma boa troca de mimos e a acordar de bem com a vida mesmo que o despertador seja uma ruidosa sequência de latidos ou pulos em cima da cama. Nada me incomoda. Nem mesmo os pêlos que todos os dias tenho que aspirar, as cadeiras de pernas roídas, ou os tapetes que é preciso lavar quando há um deslize e o Lucas faz xixi em cima deles. São coisas. Tapetes e cadeiras são coisas. Coisas que se substituem facilmente, ao contrário do Lucas, que quando partir deste mundo, jamais poderei substituir. E é por causa deste amor que lhe tenho que não compreendo como tanta gente é capaz de ser cruel com os animais.
Não compreendo os abandonos que todos os anos se multiplicam a cada verão, nem compreendo as imagens de horror que correm nas redes sociais. Recuso-me a partilhá-las. Não por acreditar que não vale a pena fazer a sensibilização com terapia de choque, mas porque não aguento ver essas imagens uma e outra vez. Não sou capaz. Tudo em mim se revolta e a dor que toma conta de mim é insuportável. Não me atrevo a perguntar o que terão essas pessoas no lugar do coração porque nem é de coração que se trata. É de formação. "Se não gostas mantem-te à distância."
Respeito quem assume que não gosta de animais e é capaz de resistir às toneladas de ternura que eles têm para nos dar, mas não posso respeitar quem lhes faz mal. Gente que o faz merece-me ainda menos que desprezo. Quem é capaz de atravessar o peito de um animal com uma foice, regá-lo com gasolina e largar-lhe o fogo, espancá-lo ou induzir-lhe qualquer forma de tortura, merece morrer lentamente e em agonia, merece conhecer o inferno em cada dia da sua vida, em suma...não merece viver. Quem abandona um animal não merece viver.
É certo que a legislação endureceu para os casos de maus tratos e abandonos, mas como em tudo o resto, há sempre quem passe por cima da lei. Ainda bem que há associações. Ainda bem que há gente que se importa. Mas há ainda tanto a fazer que tenho a certeza que seria útil incluir nas escolas, nas aulas de cidadania talvez, esta pedagogia do respeito pelo outro, mesmo quando o outro é um animal. O respeito aprende-se e acredito que de certa forma o amor também. É possível aprender a amar, e as crianças, por serem crianças, estão muito mais receptivas a aprender do que os adultos.
Quanto a mim, que tenho o maior respeito por todas as formas de vida, vou continuar a parar o carro para socorrer uma animal atropelado, seja ele um gato, um cão ou um pardal telhado, continuarei a apoiar as associações que cuidam daqueles que acabam na rua e continuarei, não até que o coração me doa, mas até que o coração me pare, a amar o Lucas, sem olhar às diferenças que existem entre nós, mas olhando sempre a tudo o que nos une. Ambos sencientes, ambos almas a habitar um corpo físico e ambos com sangue a correr-nos nas veias. Diferenças? Só vejo uma que vale a pena mencionar: Jamais um animal usará contra um ser humano, o mesmo requinte cruel que tantos (des)humanos usam contra os animais. E isso faz deles (animais), claramente superiores.