Acabámos de festejar um campeonato europeu que nos trouxe a doce conquista da vitória. No relvado, os portugueses humilharam a França, um país de gente orgulhosa e arrogante. Mas há vida fora dos relvados e é com ela que temos que nos preocupar. Hoje já não se brinca com a derrota francesa. Seria no mínimo de mau gosto continuarmos a lançar a nossa felicidade sobre um povo que sofreu uma vez mais os efeitos do ódio Islâmico. Mohamed Lahouaiej Bouhlel, um franco-tunisino de 31 anos, conduziu um camião de tir e acelerou sobre a multidão que festejava a tomada da Bastilha em Nice. Mais uma vez, a França sofreu um duro golpe e a Europa Inteira é Nice, como já foi Paris, como já Charlie.
Curiosamente, nunca somos Paquistão, Iraque, Afeganistão, Síria e por aí vamos. Mas não se admirem, porque na verdade, não somos mais do que cada um por si quando a violência nos escolhe.
O que acontece aos outros é só mais uma desgraça que vitimou mais não sei quantos humanos sem rosto e sem nome. Os atentados, por serem cada vez mais comuns, vão esfriando as nossas emoções, e chegará o dia em que nem sequer nos indignaremos. Será apenas mais um. Esta é a estrada. É nesta estrada da indiferença que caminhamos. Sabemos que estamos nela, quando, quem morre no Médio-Oriente não nos tira o apetite, não nos faz escrever um texto, não nos inibe a alegria da festa.
A verdade é que há humanos mais humanos que outros. Os americanos mais humanos que os europeus, os europeus são mais humanos que os árabes ou os africanos e dentro da Europa, os alemães e os franceses são os mais humanos de todos. Os ingleses que recearam deixar de estar no pódio do humanismo, optaram pelo brexit para continuarem a ser humanos. Na cauda estamos nós. Estão os gregos, os espanhóis, os italianos e os irlandeses. É um facto.
Mas voltemos a Mohamed Lahouaiej Bouhlel. Sabe-se para já, que não são conhecidas ligações deste homem ao radicalismo islâmico. É de supor portanto, que ele talvez tenha agido por conta própria. Ou não. Se foi pago para fazer o que fez é importante saber quem lhe pagou. Mas receio que fiquemos pela religião que professa como motivo impulsionador do crime que cometeu ontem. Mohamed era muçulmano. É o quanto basta. Já houve tempos em que se dava caça às bruxas. Hoje, dar caça aos muçulmanos parece-nos ser o único garante de estabilidade e segurança. Talvez, antes de pensar em Mohamed enquanto muçulmano, se deva pensar nele enquanto mercenário pago para desviar as atenções do mundo sobre uma derrota humilhante; ou um individuo revoltado com a vida no gueto; o estigma do islamismo a pesar-lhe sobre a cabeça; o desemprego a atirá-lo para a fome; um tipo pobre em valores morais; um sociopata/psicopata descontrolado… As hipóteses são várias. Independentemente de qual tenha sido o motivo, as regras deste novo jogo impõem que se pare de brincar com o fogo. Que se pare de financiar grupos rebeldes, que se pare de invadir países para lhes extrair recursos, que se pare de depor os seus governos, que se pare de aceitar migrantes nos nossos territórios sem as devidas cautelas. Alto! Fechar fronteiras? Não! Para quê? Para que não se formem guetos, para que não haja lugar a revoltosos, gente que morde a mão de quem a estende. Ninguém deixa o seu país, a sua terra, a sua gente porque quer. Quem o faz é empurrado pelas circunstâncias da má sorte no seu país de origem. Quando a má sorte é provocada pelos anfitriões…o que se pode esperar daí?
Os tementes das ditaduras, deviam saber que não será o fecho das fronteiras a empurrar-nos para uma. Também eu temo as ditaduras e estou convicta disso. São as fronteiras abertas, que dão medo aos povos, que causam insegurança e que fazem crescer as extremas-direitas e esquerdas favoráveis aos regimes autoritários. Os (des)unidos contra o terrorismo deviam saber que a indústria bélica que lhes dá tanto a ganhar lhes dá ainda mais a perder. Um dia, o petróleo e o gás acabarão, mas até lá, milhões terão ficado expatriados, milhões ter-se-ão infiltrado entre nós, milhões ter-nos-ão odiado e milhões terão morrido. Compensa? Não me parece. Mas isso, sou eu, que não percebo nada de política e menos ainda de relações internacionais.