Saturday 16 April 2016

Apoteose

Dizem que o tempo apaga tudo, mas não é verdade: pessoas apagam pessoas. Pelos textos, personagens, reais em tantas memórias, misturam-se, sobrepõem-se, aglutinam-se numa orgia de palavras densas. O Amor em camadas geológicas, frases e gestos mortos e enterrados, relembrados pela força anímica das palavras, mesmo que desadequadas, repetidas e de gosto duvidoso. Relatos de ti na órbita elíptica da minha existência, ora em apogeu ora em perigeu, aumentando e diminuindo a distância, uma translação inquieta que nos cansou e impulsionou para o vazio. Um espaço aberto que nos alberga no escuro, em apoteose infinita. Fazemos silêncio e é por isso que escrevo. Há a vibração do som que sempre cria novas realidades e nós existimos agora, num agora que o tempo deixou nas traseiras do momento presente. A porta fechou-se. Sim,já antes se havia fechado e reabriu, voltámos à luz, mas os olhos não puderam suportá-la e ela perdeu o sentido. Reencontro-o aqui. Nas palavras…nas frases que se lançam a mim como feras prontas a consumir qualquer coisa tua que ainda persista no meu campo áurico. Tudo o que resta hoje, por força de muitas circunstâncias, vai pairando aqui… constelação de letras errantes no imenso espaço que de nós se esvaziou. Sou uma pessoa diferente. Sei mais sobre o Amor e também sobre a falta dele. “Quero escrever-te até encontrar onde segregas tanto sentimento”, dizia Adélia Prado. Continuarei a escrever até que o tempo se me acabe e o espaço se retraia à partícula do átomo. É aí que tudo começa.