Se abriram numa página em que o autor fala sobre o culto das alcatifas ou sobre salgados que já não existem - como o Salgado Zenha - façam uma segunda tentativa. Sim, pode ser aí.
Leiam com atenção o costume tuga que é impiedosamente escalpelizado. Vão reparar com uma certa consternação que o nosso Portugalzinho continua arrepiantemente igual. Não há nada a fazer. Para o bem e para o mal, quase 30 anos de integração europeia deixaram a nossa essência tuga absolutamente intacta. Podemos ter agora I-Pods, I-Pads e todo o tipo de I-parvoíces mas continuamos a ser os mesmos I-tugas que sempre fomos. Portugal está entranhado em nós e não há anti-nódoas que nos consiga remover de nós próprios.
Vejam, por exemplo, a página 207:
"...Faltava reparar na característica essencial do optimismo português: nomeadamente, que ele não visa nem o presente nem o futuro. Não. O optimismo português faz-se sentir exclusivamente em relação ao passado. É, numa palavra, retroactivo."
Todos nós o sabemos e sentimos: no fundo, acreditamos que o passado vá melhorar para todos nós. Cada dia que passa, o passado torna-se mais desejável. Lá, há um lugar para todos os portugueses. Nunca chove, nunca inflaciona, nunca falta alegria.
"...Há séculos que os portugueses se empenham em preparar e construir um Passado digno para os bisavós. É por isso que os profetas dos portugueses são os historiadores, e as utopias nacionais nada têm a ver com amanhãs - foram ontem. A lógica ancestral é a do "deixa passar". Logo que uma coisa passa para o passado, passa a ser a melhor de todas.
Isto deve-se ao jeito enorme que temos para esquecer as misérias. Um português que tenha passado a mocidade fechado numa jaula infecta a pão e água, acusado de crimes que não cometeu, lembra-se da experiência como mais ninguém neste mundo. Passados uns anos, dirá qualquer coisa como "Ah, eu nessa altura não tinha nada, mas era feliz. Tinha a minha salinha, o meu pãozinho, o meu cantarozinho de águinha fresquinha, e ninguém me chateava, a não ser quando era espancado regularmente por uns tipos porreirinhos que tudo faziam para que eu não me maçasse".
Tudo o que passou é bonito aos olhos portugueses e a língua reserva-lhe os mais ternos diminutivos. Quando alguém morre, por exemplo, torna-se universalmente amado e sobe aos topes que em vida nunca alcançou. Isto irrita alguns, sobretudo os vivos que teimam em ser amados antes do tempo certo (ou seja, enquanto ainda estão vivos).
"...Em 2003, 1983 será um dos melhores anos das nossas vidas, e 2003 será, sem dúvida, o pior de sempre. É preciso, por isso, esperança: basta esperarmos vinte anos para vermos quanto estamos felizes e bem servidos neste ano de 1984".
(MEC, in "A Causa das Coisas)
Em 2014, 2003 será um dos melhores anos das nossas vidas e 2014, será, sem dúvida, o pior de sempre. É preciso, por isso, esperança: basta esperarmos vinte anos para vermos quanto fomos felizes e bem servidos neste ano de 2013, e no ano logo a seguir sentiremos uma nostalgia ímpar e um brilhozinho nos olhos de cada vez que recordarmos a nossa felicidade tão perfeitamente vivida em 2014. Não duvidem. Em vez disso aproveitem e sejam mesmo muito felizes!
Vejam, por exemplo, a página 207:
"...Faltava reparar na característica essencial do optimismo português: nomeadamente, que ele não visa nem o presente nem o futuro. Não. O optimismo português faz-se sentir exclusivamente em relação ao passado. É, numa palavra, retroactivo."
Todos nós o sabemos e sentimos: no fundo, acreditamos que o passado vá melhorar para todos nós. Cada dia que passa, o passado torna-se mais desejável. Lá, há um lugar para todos os portugueses. Nunca chove, nunca inflaciona, nunca falta alegria.
"...Há séculos que os portugueses se empenham em preparar e construir um Passado digno para os bisavós. É por isso que os profetas dos portugueses são os historiadores, e as utopias nacionais nada têm a ver com amanhãs - foram ontem. A lógica ancestral é a do "deixa passar". Logo que uma coisa passa para o passado, passa a ser a melhor de todas.
Isto deve-se ao jeito enorme que temos para esquecer as misérias. Um português que tenha passado a mocidade fechado numa jaula infecta a pão e água, acusado de crimes que não cometeu, lembra-se da experiência como mais ninguém neste mundo. Passados uns anos, dirá qualquer coisa como "Ah, eu nessa altura não tinha nada, mas era feliz. Tinha a minha salinha, o meu pãozinho, o meu cantarozinho de águinha fresquinha, e ninguém me chateava, a não ser quando era espancado regularmente por uns tipos porreirinhos que tudo faziam para que eu não me maçasse".
Tudo o que passou é bonito aos olhos portugueses e a língua reserva-lhe os mais ternos diminutivos. Quando alguém morre, por exemplo, torna-se universalmente amado e sobe aos topes que em vida nunca alcançou. Isto irrita alguns, sobretudo os vivos que teimam em ser amados antes do tempo certo (ou seja, enquanto ainda estão vivos).
"...Em 2003, 1983 será um dos melhores anos das nossas vidas, e 2003 será, sem dúvida, o pior de sempre. É preciso, por isso, esperança: basta esperarmos vinte anos para vermos quanto estamos felizes e bem servidos neste ano de 1984".
(MEC, in "A Causa das Coisas)
Em 2014, 2003 será um dos melhores anos das nossas vidas e 2014, será, sem dúvida, o pior de sempre. É preciso, por isso, esperança: basta esperarmos vinte anos para vermos quanto fomos felizes e bem servidos neste ano de 2013, e no ano logo a seguir sentiremos uma nostalgia ímpar e um brilhozinho nos olhos de cada vez que recordarmos a nossa felicidade tão perfeitamente vivida em 2014. Não duvidem. Em vez disso aproveitem e sejam mesmo muito felizes!